A Mente Criativa de Neil Druckmann

23 de julho de 2021 0 Por Allan Lima

O nome de Neil Druckman ficou conhecido quando começou a trabalhar na franquia Uncharted e ganhou de vez os holofotes da indústria após a criação de um dos maiores jogos da história recente dos games: The Last of Us. Nessa matéria vamos conhecer um pouco mais sobre a mente por trás desse jogo icônico; sua carreira, seus demais projetos, formas de trabalhar e planos futuros. 

Os primeiros passos 

Neil Druckmann nasceu em Israel, no dia 5 de Dezembro de 1978, e foi criado em uma área onde haviam muitos conflitos e violência. Seu irmão, Emmanuel, passou a mostrar história em quadrinhos, video games e filmes para ele como uma forma de o distrair e proteger de todo aquele ambiente. Neil acabou aprendendo inglês com os videogames e passou a se interessar em criar suas próprias histórias em quadrinhos.  

Em 1989, se mudou com a sua família para os Estados Unidos, onde fez seu colegial e por algum tempo estudou criminologia na universidade da Flória, mas sem realmente saber o que fazer em termos de carreira profissional. Neil então começou a estudar programação e ao perceber que ele poderia fazer videogames com o que estava aprendendo ele decidiu o seu caminho. Mais tarde ele começou o seu mestrado focando em tecnologia do entretenimento, onde teve aulas de game design, e como parte dessas aulas ele criou o jogo  Dikki Painguin in: TKO for the Third Reich para o NES. 

Neil entra na indústria de jogos 

Neil sempre foi um grande fã da Naughty Dog, e em 2003 ele teve a oportunidade de estar na Game Developers Conference, que é um grande evento voltado para os profissionais da indústria de jogos. Nesse evento, o então presidente da Naughy Dog Jason Reuben fez uma apresentação, e Neil teve a oportunidade de conversar com ele, aproveitando para pedir uma oportunidade. Jason deu a ele o seu cartão de contato e mais tarde Neil o bombardeou com vários emails que continham o seu portifólio, até que um dia Jason respondeu dizendo que a Naughy Dog estava abrindo vagas para treinees e o convidou para participar.

Alguns meses após começar como treinee, foi oferecido a Neil uma vaga como programador, e então Neil virou um funcionário fixo da Naughty Dog, começando a trabalhar como programador nos jogos Jak 3Jak X: Combat Racing. E assim a carreira de Neil na indústria começou. 

Deixando aflorar o lado criativo 

Durante o seu tempo como programador, Neil tentava sempre que podia um papel no time de Designers, já que ele sempre se sentiu atraído por esse lado mais criativo, especialmente no que tange o aspecto narrativo, como já pudemos observar desde o início de sua história, quando já buscava escrever suas próprias histórias em quadrinhos. Após o fim do desenvolvimento de  Jak X: Combat Racing, Neil finalmente teve sua oportunidade como designer ao ser direcionado para trabalhar na parte criativa de Jak and Daxter: The Lost Frontier. Algum tempo após o início do desenvolvimento do jogo, Neil foi transferido para a produção do primeiro jogo da franquia Uncharted, que na época estava com problemas em seu desenvolvimento.  

Em Uncharted, Neil trabalhou diretamente com a diretora do jogo, Amy Henning, na criação do jogo como um todo, mais especificamente na estruturação da história e na direção das cutscenes. Como sabemos, o jogo foi um grande sucesso e Uncharted 2 não demorou a ser produzido, dessa vez com uma participação ainda maior de Neil Druckmann no enredo do jogo.

Neil Druckmann cria sua Obra-Prima 

Após o lançamento de Uncharted 2, a Naughty Dog decidiu dividir os times, um ficaria com a sequência do mesmo, Uncharted 3, e o outro ficaria responsável pela criação de um novo jogo. O time de Neil seria liderado por ele e Bruce Straley (que também trabalhou em Uncharted 2), e então começaram a trabalhar em The Last of Us. 

Embora Neil tenha tido uma grande participação em Uncharted 2, com muitas de suas ideias sendo postas em prática, quem mandava e liderava de fato o projeto era Amy Henning e, portanto, no final das contas era a visão dela que imperava no projeto. The Last of Us foi a primeira oportunidade de Neil colocar sua própria visão em um jogo, com suas ideias e maneiras de pensar referente a como uma narrativa deve ser conduzida. Mas de onde veio a ideia para a criação de sua mais famosa obra? 

Em 2004, quando Neil ainda era um estudante, ele participou de um projeto em grupo cujo professor que liderava o mesmo era amigo de George Romero, famoso diretor de filmes de Zumbis. O objetivo desse projeto era fazer com que os grupos criassem uma história nos moldes do que o diretor faria, e o próprio iria analisá-las e escolher uma como a melhor. Neil então buscou inspiração em duas das obras que mais o influenciaram como criador: ICOSin City. Ele queria algo imersivo como o famoso jogo de Fumito Ueda e um personagem nos moldes de John Hartigan, de Sin City, famosa série de história em quadrinhos. Neil então criou uma história aonde um policial iria proteger uma garotinha em um mundo dominado por zumbis, o problema é que o mesmo teria um problema cardíaco grave e sempre que ele se sentisse mal a garotinha tomaria as rédeas da jornada. Romero rejeitou a ideia e escolheu outro projeto, mas a essência desse conceito seria utilizado anos depois no jogo que tanto amamos hoje. 

Ao longo do tempo, após diversas reuniões com Bruce Straley, esse conceito foi sofrendo algumas mudanças, mas a ideia central permanecia sempre a mesma: Uma jornada de dois personagens que construiriam uma relação ao longo do tempo, com interações entre ambos ocorrendo nas mecânicas de gameplay. 

O jogo foi lançado em Junho de 2013, com o trabalho de Neil Druckmann na história do jogo sendo aclamado pela crítica e público, rendendo diversos prêmios. Algum tempo depois Neil também trabalhou em uma DLC que funcionava como uma expansão do jogo, focando na relação de Ellie e sua amiga Riley, sendo esta igualmente aclamada.  Neil Druckmann começava então a ter o seu nome marcado na indústria.

Voltando para Uncharted 

Amy Hennig acabou saindo da Naughty Dog, e ficou nas mãos de Neil Druckmann e Bruce Straley a tarefa de dar sequência a Uncharted, com o quarto título da franquia. Neil assumiu a direção criativa do jogo e escreveu a história ao lado de Josh Scherr, sendo este último responsável principalmente pelo lado mais “engraçado” que Uncharted sempre teve, já que Neil se diz incapaz de escrever piadas. Ao longo do jogo é possível ver o toque maior de Neil Druckmann, com um tom um pouco mais sério e um foco maior no lado humano dos já consagrados personagens.  

Novamente, a crítica e os jogadores foram unânimes em aclamar o jogo, que recebeu diversos prêmios, entre eles o de melhor narrativa no The Game Awards de 2016. Pouco depois de seu lançamento, Uncharted:The Lost Legacy começou a ser desenvolvido e Neil Druckmann liderou a parte narrativa do jogo, mas com uma participação menor na criação geral, enquanto focava na sequência de The Last of Us. A essa altura, Neil Druckmann já era um dos maiores nomes da Naughty Dog, e hoje ocupa o cargo de Co-presidente da empresa. 

A continuação de uma Obra-Prima 

The Last of Us part II estava sendo produzido com a difícil missão de continuar o legado envolto em sucesso do primeiro jogo, com uma grande expectativa do público e imprensa. Neil Druckmann seguia na direção do jogo, mas dessa vez sem a ajuda de Bruce Straley, que foi substituído por Halley Gross.  

O jogo novamente foi aclamado pela crítica e recebeu diversos prêmios, tendo inclusive se tornado o jogo mais premiado da história. Mas dessa vez algo diferente aconteceu: Parte do público não gostou dos rumos que a história tomou e uma espécie de divisão ocorreu dentro da comunidade de fãs, com parte do público amando e outra parte odiando. 

O tema de vingança e do ciclo de violência veio em partes da experiência do próprio Neil em Israel. Ele lembra de uma vez aonde, ainda muito novo, viu um linchamento transmitido na TV, com pessoas cheias de ódio clamando por justiça. Essa cena acabou ficando na memória dele e o ajudou a trazer um pouco disso para essa sequência. Ao discutir as ideias para os acontecimentos do jogo com a equipe, muitos ficaram apreensivos e houveram discordâncias, mas Neil preferiu seguir com o risco de criar uma história divisiva do que uma história simples e previsível, fácil ao “paladar”. The Last of Us part II, assim como o seu antecessor, é um produto fruto da visão de Neil sobre como contar uma história e seu estilo particular, que iremos discutir a seguir.

Neil Druckmann, seu estilo e visão a cerca da narrativa em Videogames 

Caso você tenha jogado os jogos em que Neil Druckmann criados ou auxiliados por ele, é fácil perceber sua característica em praticamente todos eles. Neil gosta de escrever histórias com personagens humanos e cheio de nuances, com tons e temas mais sérios, e um cuidado especial em tentar transmitir um sentimento ao jogador, além de criar um vínculo entre jogador e personagens.  

Neil menciona em uma entrevista que, acima de tudo, ele prefere criar uma história honesta e pessoal, ele diz que não quer seguir uma moral ou uma receita específica, preferindo sempre ser honesto consigo mesmo em detrimento a querer agradar os outros, pois somente assim é possível extrair o máximo do que faz uma narrativa ser boa.  

Neil Druckmann sabe usar muito bem as diferenças entre o cinema e os videogames a seu favor, já que a interatividade do último traz uma grande gama de possibilidades que ele sabe explorar muito bem. Combinar gameplay com a construção da narrativa foi peça fundamental para o sucesso de The Last of Us, é através disso que Neil faz com que entremos no personagem ao invés de ser um mero expectador com um controle na mão. O aspecto passivo que esse tipo de mídia tem em comum com o cinema, falando mais especificamente das cutscenes , é usado por Neil quando o gameplay por si só não é capaz de passar a emoção e expressão necessária para aquele momento da história. A facilidade que Neil tem de se relacionar com os atores e passar suas ideias é fundamental para criar cenas tão críveis e tão marcantes para nós, jogadores.   

No final das contas, Neil Druckmann tem o objetivo de, claro, entreter o jogador, mas também de o fazer sentir, questionar e refletir sobre a experiência ao jogar Videogame. 

Além dos games 

Neil Druckmann também trabalha com outros tipos de de mídia, sendo os quadrinhos uma que já mencionamos. Ele já criou, por exemplo, uma série de quadrinhos em 4 edições chamada The Last of Us: American Dreams, que mostra um pouco da vida de Ellie na zona de quarentena de Boston, antes dos eventos do jogo. Ele também criou um motion comic (forma de animação que combinam elementos de impressão de história de comic books e animação) da série Uncharted, aonde conta um pouco dos eventos que Drake vivenciou antes do primeiro jogo da franquia.  Uma Segunda Chance em Sarah é outra obra em quadrinhos produzida por Neil durante seu tempo livre entre um jogo e outro, contando a história de Johnny e sua esposa Sarah que entra em coma após dar luz ao filho do casal, Johny então acaba fazendo um pacto com o demônio que o permite voltar no tempo e refazer alguns acontecimentos. Vale lembrar que Neil escreve as histórias, mas a arte normalmente é feita por desenhistas.

Além das obras em quadrinhos, Neil trabalhou em alguns documentários, livros de arte da Naughty Dog e atualmente trabalha na série de TV que se baseia em sua principal obra: The Last of Us. A série conta com um grande orçamento por parte da HBO e tem previsão para ser lançada em 2022. 

Neil Druckmann não marcou seu nome na indústria à toa, o seu talento, resiliência e visão faz com que suas obras sejam dignas de destaque. Nos resta agora aguardar os seus próximos passos e torcer que seu trabalho na Naughty Dog renda cada vez mais frutos. Quem ganha somos nós. 

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