Ghost of Tsushima – Análise (Review) – Um jogo que valoriza a jornada

Ghost of Tsushima – Análise (Review) – Um jogo que valoriza a jornada

19 de janeiro de 2021 Off Por Allan Lima

Quando Ghost of Tsushima foi anunciado, foi difícil segurar a empolgação frente a possibilidade de jogar um mundo aberto no controle de um samurai do Japão Feudal, não só por todo o lado mítico dos samurais, por poder manusear uma katana ou mesmo por toda a beleza dos cenários japoneses, mas também pela filosofia que permeia esse estilo de vida. Sou um grande fã de Vagabond, obra em mangá do mestre Takehiko Inoue que conta a trajetória do maior samurai do Japão, Miyamoto Musashi; e foi lendo esse mangá (que aliás, deixo aqui a recomendação) que percebi que há muito mais por trás dos épicos confrontos de espadas que permeia o nosso imaginário. É essa sensação de algo a mais que eu tive ao jogar Ghost of Tsushima, pois é um jogo que soube traduzir perfeitamente o clima desse período para a tela, e ainda que sua estrutura de Open World seja batida, a Sucker Punch dribla isso com pequenas mecânicas que fazem toda a diferença na experiência, dando significado para todas as ações e atividades do jogador. É um jogo feito com carinho, que possui uma identidade própria e prende o jogador ao incorporar suas ações em um contexto único, fazendo você se sentir na pele do jovem samurai Jin Sakai. 

A valorização da jornada

Um dos grandes problemas enfrentados por um jogo de mundo aberto é a constante quebra da narrativa em detrimento das inúmeras atividades e side quests mundanas espalhadas pelo mapa, os quais sempre geram um desequilíbrio no senso de urgência; Ghost of Tsushima não sofre desse problema, pois tudo é inserido dentro de um contexto. Meditar era importante para os samurais, então volta e meia você pode parar e descansar a mente e o corpo; honrar um altar e pedir proteção era importante para o espírito; treinar o manejo da espada era importante para manter as habilidades em dia, então você pode cortar bambus em pontos específicos. É tudo muito natural e é feito de maneira a não precisarmos nos sustentar em interfaces e menus. 

Compor um Haiku é uma das atividades possíveis no jogo

 As sidequests também se inserem na narrativa, com o povo sofrido de Tsushima tentando sobreviver ao terror imposto pelos mongóis e o Jin ajudando-os, pois é seu dever como samurai. Portanto, nada de quests para procurar panelas enquanto o mundo corre perigo ou algo nesse sentido. 

As missões e side-quests são divididas da seguinte forma: 

  • As missões principais, marcadas em dourado no mapa, que são as que dão continuidade a história e, como tal, são mais complexas e interessantes. 
  • As side-quests, marcadas em branco no mapa, são eventos menores e normalmente envolvem defender ou resgatar um aldeão, lutar com mongóis em locais específicos e investigar algo no estilo “Witcher”. Há também as side-quests que pertencem aos principais aliados de Jin, estas oferecem um background mais rico e elaborado. 
  • Os contos míticos, marcados em azul, oferecem encontros únicos e uma recompensa no final. Estas se beneficiam da cultura politeísta do Japão Feudal, oferecendo lendas que realmente te fazem querer ir até o final não só para ganhar o equipamento prometido, mas para ver até onde lenda e realidade se encontram. 

Embora haja essa divisão, há uma integração entre elas fazendo com que você sinta estar fazendo tudo em prol da terra natal de Jin. Em determinado momento, Jin pode comentar que ir atrás daquele equipamento vai ajudar ele a derrotar os mongóis, por exemplo. É uma maneira fantástica de te manter ocupado sem perder o foco na história que o jogo está contando, contribuindo para a imersão do jogador naquele mundo. 

A exploração também é parte fundamental da jornada e aqui a Sucker Punch utiliza-se de pequenos “truques” que também contribuem para que a a imersão do jogador se mantenha intacta. Temos a possibilidade de utilizar o “vento guia”, que substitui o tradicional mini mapa e nos mostra com elementos visuais que direção seguir ao deslizar o dedo no Touch Pad do controle. O vento é mais um elemento visual que vem da constante inspiração dos filmes de samurai antigos, onde há constante movimento de folhas voando, nuvens, ou até mesmo a fumaça no campo de batalha, coisas que você também pode ver no jogo e que os desenvolvedores acabaram por aproveitar e integrá-lo ao gameplay. 

Além do vento guia, temos outros elementos que trazem um minimalismo para a interface do jogo, como os pássaros que cruzam o seu caminho e indicam pontos de interesse, as carismáticas raposas (Fazer carinho nelas era mandatário pra mim sempre que eu as encontrava) que indicam santuários, e fumaças no horizonte que podem indicar acampamentos inimigos. Todas essas pequenas adições fazem uma diferença enorme na exploração e navegação no mundo, pois realmente aguçam a curiosidade do jogador.

Ao ver um passarinho passando na sua frente cantando, é difícil conter a vontade de desviar a sua rota para ver do que se trata.  

Você não vai resistir às charmosas raposas do jogo

A forma que o mapa se abre é influenciada pelo traje que você está usando, como o traje de viajante, e isso é algo notável pois favorece o “roleplay” e te encoraja a entrar na pele do personagem. Quando eu ia fazer longas viagens, eu trocava de traje pois fazia sentido naquele momento e de quebra ganhava um bônus de exploração, isso é mais importante do que parece para o engajamento do jogador. Essa preocupação em integrar o jogador ao mundo do jogo sem se agarrar em mini mapas, interfaces intrusivas e informações em excesso na tela é uma tacada de mestre da Sucker Punch e um exemplo a ser seguido para os demais estúdios que fazem esse tipo de jogo. Como nem tudo são flores, muitas vezes a exploração é limitada por poucos pontos onde podemos efetivamente escalar e utilizar os pulos de Jin, além de às vezes ser confuso andar pelas cidades e achar os comerciantes, por exemplo. Por fim, temos uma última parte do mapa que forma um contraste com a beleza e capricho das demais áreas, dando a sensação de que foi uma área mais apressada no desenvolvimento. 

O caminho da espada e do fantasma 

Eu tenho um amor platônico por um jogo de Playstation 1 chamado Bushido Blade, um jogo de luta com espadas onde levar um golpe era mortal, fazendo com que todas as lutas fossem estratégicas. Ghost of Tsushima não chega a esse ponto, mas consegue um equilíbrio interessante entre letalidade e precisão, pois embora você tenha um medidor de vida, ela pode se esvair rapidamente – especialmente na dificuldade mais alta. Os combates são rápidos e estratégicos, utilizando-se de diferentes posturas que melhor funcionam para cada tipo de inimigo, além de oferecerem golpes diferentes e árvores de habilidades distintas. As animações são muito fluidas, e é extremamente prazeroso bloquear o ataque dos adversários, contra golpear, esquivar e atacar no momento certo frente a qualquer vacilo do adversário (e o oposto também pode ocorrer), as lutas são uma constante análise de quais tipos de inimigos estão na sua frente, quem matar primeiro, que armas ou postura utilizar, etc. 

A dificuldade é bem elevada, punindo qualquer deslize com morte certa e tornando necessária a evolução, o cuidado na escolha da armadura e o aprendizado de novas habilidades. Essa evolução do personagem se dá por pontos de técnica que você ganha à medida que realiza ações no jogo e é através desses pontos de técnica que você desbloqueia novos golpes, novas armas e golpes. Para ajudar o jogador, há também o medidor de determinação, que possibilita Jin se curar ou realizar golpes especiais, e se regenera ao realizar bloqueios perfeitos ou matar inimigos. É um sistema básico e já manjado, mas eficaz e cumpre o que se propõe, mantendo o jogador engajado e interessado em descobrir novas maneiras de se abordar os combates. 

A fluidez das lutas muitas vezes se quebra com ângulos de câmera que se confundem pelo cenário e por vezes bloqueiam a visão do jogador, e esse é um problema especialmente frequente nos “standoffs” que acontecem quando você desafia os mongóis para combates 1×1, mecânica essa que é extremamente bem vinda e um grande incentivo à escolha de combate em detrimento a uma aproximação furtiva.

Um jogo de samurai com tanta inspiração nos filmes do grandioso cineasta Akira Kurosawa, certamente não teria o mesmo brilho sem a adição dos famosos duelos que permeiam seus filmes e o imaginário popular. A Sucker Punch tomou um cuidado especial com essa parte do jogo e faz um trabalho espetacular tanto em termos de jogabilidade quanto em termos de clima, com a câmera posicionada em um estilo de luta parecido com Bushido Blade, uso de cenários incríveis e trilha sonora que te suga para dentro daquele mundo e faz com que você se sinta um verdadeiro samurai. Os Duelos aparecem muitas vezes ao longo do jogo, o suficiente para não se tornar repetitivo e te deixar ansioso para o próximo, funcionam praticamente como Boss Battles e nenhuma te decepciona. 

Finalmente chegamos ao lado “Fantasma” de Jin, com mecânicas de Stealth que são apresentadas à medida que a história vai se desenvolvendo, e representa o lado mais fraco do jogo. Esse aspecto do jogo é extremamente básico, com as mesmas coisas que basicamente qualquer mundo aberto oferece, como por exemplo, se esconder em grama alta – coisa que Ghost of Tsushima se apoia demais, te obrigando a utilizar isso praticamente em todas as sessões do jogo que envolve passar desapercebido. Além disso, a Inteligência artificial do jogo é falha, com inimigos que demoram a te perceber mesmo passando rapidamente na sua frente a poucos metros de distância, além de não perceberem o escarcéu que você faz em alguma sessão do acampamento. Para equilibrar um pouco as coisas, é preciso dizer que as armas fantasmas são muito interessantes de se utilizar e oferecem bons momentos até mesmo dentro do combate tradicional. Esse aspecto do jogo certamente merecia um tratamento mais complexo, como o que víamos em Tenchu, por exemplo, guardada as devidas proporções. 

Gráficos que mais parecem uma pintura oriental 

Quando eu disse que Ghost of Tsushima é um jogo que conhece suas limitações, essa é uma das quais eu me referia. Tecnicamente o jogo não se destaca nesse aspecto, mas parece que sabendo disso a Sucker Punch resolveu focar os seus esforços na direção de arte do jogo e foi uma decisão pra lá de acertada, pois é um trabalho tão magnífico que qualquer problema de colisão, texturas de solo ou água se tornam absolutamente irrelevantes frente a constante sensação de arrebatamento visual que esse jogo proporciona. Os cenários me deixaram sem palavras por diversas vezes ao longo das mais de 80 horas que passei com o jogo, e são um convite a parar para admirá-los e até mesmo utilizar o robusto modo foto. A densidade da vegetação, os efeitos de iluminação, e o cuidado na construção do mundo, com vastos campos abertos, pântanos, templos imponentes, vilarejos e fazendas, tudo é parte do que parece ser uma enorme pintura interativa. A modelagem dos personagens é simples, tendo destaque apenas os personagens principais, mas o seu design, roupas e armaduras, fazem com que, novamente, haja um destaque visual imenso. 

Ghost of Tsushima escancara a importância de uma atenção a arte ao se construir o visual de um jogo e que poder técnico bruto pode ser facilmente superado frente a escolhas artísticas inteligentes e um bom uso de nanquim nas artes conceituais. 

Tradição, Coragem, Honra e o Fantasma de Tsushima

Para falarmos da história do jogo, primeiro precisamos de um pequeno pano de fundo histórico para dois elementos que compõe a narrativa do mesmo: Os Samurais e a Invasão do império mongol no Japão. 

Os Samurais foram guerreiros profissionais que surgiram no Japão Feudal e seguiam um rigoroso código de ética e conduta, mais conhecido como Bushido. Dentre os diversos princípios que compõe esse código, temos como destaque aqui a Honra, pois para o Samurai era sempre preferível a morte à desonra, pois um caminho desonrado era uma vergonha que nenhum deles conseguia suportar. 

Em 1274 uma frota Mongol se lançou ao mar para começar sua invasão ao Japão, liderados por Kublai Khan (neto do famoso Genghis khan) após ter diversas demandas impostas ao Japão ignoradas pelo Shogunato. A primeira parada foi Tsushima, desembarcando na praia de Komoda e enfrentando uma resistência de apenas 80 samurais e sua comitiva, rapidamente derrotando-os e tomando a ilha. 

É sob a sombra desse evento histórico nesse mesmo ano, que a história de Ghost of Tsushima se inicia, com diversas liberdades criativas, mas sempre respeitando a base histórica a qual se inspirou. Jin Sakai, um jovem e corajoso samurai sobrevive junto com o comandante das forças locais, seu tio Shimura, após a derrota em Komoda. Este último é feito prisioneiro e mantido refém pelo vilão da história, Khotun Khan (personagem ficcional criado pela Sucker Punch) com o objetivo de tentar persuadi-lo a fazer com que seu povo se renda ao império Mongol. 

Jin Sakai tem então a difícil missão de resgatar o seu tio e livrar o povo de Tsushima dos Mongóis, e logo percebe que terá que sacrificar a honra e a tradição samurai se quiser atingir tal objetivo. 

O enredo de Ghost of Tsushima, embora relativamente simples, oferece uma boa dinâmica entre seus personagens principais, com dilemas morais e humanizações surpreendentes em meio a guerreiros tão mitificados. O dilema moral e a tensão vão sendo construídos gradativamente e refletem inclusive no gameplay, já que quebrar a honra samurai pode fazer você se sentir mal no início mas aos poucos você vai aceitando e abraçando a identidade de fantasma de Tsushima, numa dualidade muito bem desenvolvida. Tudo isso é embalada por uma trilha sonora memorável, com músicas que remetem perfeitamente ao período e a temática, passando diversas emoções ao longo da jornada.

Um jogo que possui alma 

Ghost of Tsushima é um jogo honesto e claramente feito com muito carinho e cuidado, com uma volta por cima para cada falha, entregando uma experiência samurai de forma competente e imersiva. É um jogo que valoriza a jornada, com mecânicas construídas para que você realmente se sinta engajado no papel de Samurai (e do fantasma), no mundo e na narrativa. A exemplo dos diversos Haikus (uma forma de poesia japonesa), é um jogo que possui alma. Aliás, para encerrar, segue minha própria tentativa de compor um, como forma de me despedir do papel de Jin Sakai. 

Controle na mão

Passado e presente

na lâmina se encontram

Obs: Todas as Screenshots utilizados na análise são de minha autoria, utilizando um PS4 base.

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