Análise de Sifu – O caminho para o Beat ‘em up definitivo
10 de fevereiro de 2022Ficha de jogo Lançamento: 8 de fevereiro de 2022 Gênero: Ação, Beat ‘em Up Jogadores: Um jogador Desenvolvedora: Sloclap Plataforma: Playstation 4, Playstation 5, PC – Computador (via Epic Store) Avaliação: Gráficos: 9 Diversão: 8 Jogabilidade: 10 Som: 10 NOTA FINAL: 9,25 |
Se você é um amante de filmes de artes marciais com ação desenfreada, Sifu certamente é o jogo para você. O jogo traz conceitos extremamente batidos e conhecidos, mas sua execução é original e cheia de personalidade, com ideias interessantes que trazem uma identidade própria ao game. Essas ideias trazem consigo sua fatia de problemas, mas estes não são o suficiente para tirar o brilho do jogo, que promete prender o jogador e fazê-lo se sentir um verdadeiro mestre Kung Fu.
Seja como a água, meu amigo
Enquanto jogava Sifu a sensação que eu tinha é a de que eu realmente estava dominando a arte do Kung Fu e agindo exatamente como eu acredito que um mestre de verdade agiria na mesma situação imposta no jogo: Com concentração total, observando e lendo os movimentos dos inimigos, procurando o momento certo de atacar usando os golpes certos, em uma combinação de ferocidade e inteligência. Essa sensação de imersão se dá por vários fatores que envolvem desde o gameplay e as mecânicas do jogo, até a fidelidade que ele traz, fruto de uma captura de movimentos apurada que faz você se sentir em um filme do John Wick, ou mesmo em grandes clássicos de nomes como Jackie Chan, Jet Li e Bruce Lee.
Entrar em uma discoteca e descer a porrada em todos os presentes enquanto a música continua tocando de forma quase ritmada com seus golpes e derrubar um a um vendo o ambiente aos poucos se tornar um caos foi certamente uma das melhores experiências que eu já tive em um jogo do tipo. Lutar em SIFU é algo extremamente satisfatório graças a um gameplay redondo e um conjunto de animações que são um deleite visual, sendo possível sentir o peso de cada golpe. Os cenários favorecem a pancadaria, permitindo que você os utilize a seu favor, seja arremessando os inimigos contra algo, arremessando objetos pelo cenário ou até mesmo pulando sobre mesas e obstáculos para escapar de golpes, no melhor estilo Jackie Chan. A variedade de inimigos e estilos de luta a serem enfrentados é grande e a desvantagem numérica é constante, tornando o uso de todos os recursos disponíveis a seu favor praticamente uma obrigação. Em vários momentos as lutas se tornam um caos sem perder em nada o estilo, e embora a câmera atrapalhe em diversos momentos, a sensação é de se estar estar jogando um filme com todo o aspecto interativo que um videogame traz.
Sifu definitivamente não é um jogo “esmaga botões”, no qual você consegue avançar apertando o botão de ataque repetidamente, em um padrão repetido. A princípio, o básico que já vimos em diversos jogos está lá: você vai avançando pelos cenários, e para lutar possui um botão para golpes fracos e um para golpes fortes, um botão para que o jogador dê uma passada mais larga que normalmente funcionaria como uma esquiva e também um botão de bloqueio; mas não tarda muito para que as diversas camadas que dão corpo ao gameplay apareçam. Para efetivamente se esquivar dos golpes dos inimigos, você precisa segurar o botão de bloqueio e direcionar o analógico para baixo ou para cima no tempo certo do golpe – para baixo se for um ataque alto e para cima se for um ataque baixo, simplesmente segurar o L1 bloqueia ao custo de uma barra chama “estrutura”, que quando chega ao seu limite, te deixa vulnerável aos ataques; e por fim temos o parry, que funciona quando apertamos o L1 no exato momento do golpe, abrindo uma janela para poder atacar. Os inimigos possuem basicamente os mesmos recursos, sendo que quando quebramos sua estrutura abrimos a possibilidade de finalizá-los. Também é possível utilizar combos e golpes com combinações específicas de botões, além de uma barra de foco, que permite realizar golpes especiais, barra essa que é preenchida ao realizar um parry ou uma esquiva bem-sucedida.
A curva de aprendizagem em SIFU é longa e árdua, não por ser difícil decorar os comandos, mas porque saber utilizá-los com precisão exige reflexos e, sobretudo, um conhecimento de como cada adversário luta. O jogo incentiva e trabalha para que o jogador domine os recursos que ele oferece e seja perfeito – ou quase – em sua execução, e é exatamente daí que vem a sensação de se tornar um mestre Kung-fu. Sifu é extremamente punitivo com erros e é em cima disso que o jogo constrói sua principal mecânica: a de envelhecer a cada morte.
A repetição leva à perfeição… ou quase isso
Morra uma vez e o personagem irá envelhecer 1 ano, some mais uma morte e ele envelhecerá 2 anos e assim sucessivamente; quanto mais velho mais dano os seus golpes irão dar, porém a sua resistência aos golpes adversários também irá diminuir. Caso você chegue a 72 anos e morra é game over definitivo. É com esse princípio que Sifu muda tudo, para o bem e para o mal.
A mecânica de envelhecimento é criativa e dá profundidade a um jogo que possui uma premissa extremamente simples, e Sloclap faz questão de destacá-la fazendo com que quase tudo gire em torno disso, a começar pela dificuldade do jogo. Sifu é um jogo extremamente difícil, o tipo de dificuldade que vai fazer o jogador se sentir recompensado ao triunfar, mas que também vai fazê-lo se sentir cansado em alguns momentos. Isso porque repetição é a palavra de ordem aqui, e isso tem origem justamente nessa mecânica de envelhecimento.
Mesmo enquanto o jogador ainda é jovem, sua resistência a dano é pífia e poucos golpes – mesmo dos inimigos mais comuns – podem te levar a morte rapidamente, e isso é proposital. Digamos que você morra algumas vezes na primeira fase do jogo, e a termina com 35 anos. Você segue para a segunda fase que apresenta um nível bem maior de dificuldade, e ao custo de mais algumas mortes você a termina com 55. A essa altura, você se dá conta de que ainda restam três fases e apenas 17 anos de vida restantes até o game over definitivo, então você quase que obrigatoriamente terá que repetir as fases passadas para conseguir um melhor desempenho em termos de idade. O ponto central da dificuldade do jogo é justamente esse, a busca pela quase perfeição ao errar o mínimo possível e assim tentar se manter o mais jovem possível. O jogo incentiva isso adicionando atalhos que são desbloqueados normalmente no fim da fase ao pegar uma chave ou um cartão de acesso que dará acesso a ele, então a segunda tentativa será mais curta e direto ao ponto, e você sempre começará a fase seguinte com a menor idade que terminou a anterior, sem perder o seu progresso. Mas não é só isso, o jogo também possui arvores de habilidades que podem ser desbloqueadas com experiência e pontuações, o problema é que desbloqueá-las de forma definitiva inevitavelmente vai exigir que você repita as fases para acumular XP.
Se por um lado essa dificuldade originada da busca pelo perfeccionismo é prazerosa e contribua para que o jogador se sinta um mestre Kung Fu, dando uma longa vida a um jogo que de outra forma poderia ser muito curto, por outro a repetição que se faz necessária para superá-la pode ser extremamente cansativa. Os atalhos e a jogabilidade prazerosa não são o suficiente para sustentar isso por muito tempo e a sensação de cansaço eu diria que é quase inevitável, a menos que você domine o jogo rapidamente. Além disso, embora a dificuldade seja recompensadora, ela me parece inconstante, sem seguir uma evolução gradativa. Eu particularmente achei a segunda fase muito mais difícil que a terceira e a quarta muito mais difícil que a última, só pra citar alguns exemplos. As lutas contra os chefes são o teste de fogo em termos de dificuldade, e é onde provavelmente você vai envelhecer rapidamente, mas também é o maior exemplo de como o jogo pode ser recompensador, pois são extremamente difíceis de serem batidos, mas possuem lutas divertidas, variadas e cheias de personalidade.
Um clichê cheio de potencial
Em Sifu você vai acompanhar a história de um jovem estudante de Kung Fu em uma trilha de vingança, caçando os assassinos de sua família. A premissa é extremamente clichê, mas a história é repleta de elementos que poderiam sem dúvida alguma dar uma certa profundidade. Infelizmente a Sloclap deixa passar a oportunidade não aproveitando nenhum deles. Claro, a narrativa não é exatamente o foco em jogos como esse, mas não deixa de ser triste ver diante dos seus olhos várias oportunidades de se prender ao enredo e simplesmente não conseguir por ser um aspecto tão mal trabalhado. Voltemos então para ao ponto chave do jogo: A mecânica de envelhecimento.
O personagem principal (o qual o jogo em nenhum momento menciona o nome) possui um artefato mágico que o traz de volta a vida sempre que ele morre, ao custo, claro, de um rápido envelhecimento. Sem dar Spoilers, esse artefato é uma peça fundamental no enredo, mas é tão mal trabalhado e tão pouco mencionado que você nem se importa com ele para além das mecânicas de gameplay. As origens do artefato e o entrelaço que o mesmo poderia gerar com a temática de vingança e suas consequências estão tão escancaradas que o sentimento de decepção é inevitável ao ver que tudo é subaproveitado. Você possui um “quadro de detetive”, no qual ficam armazenados itens e pequenas pistas que ao serem interligadas vão aos poucos revelando as motivações e origens dos fatos, mas é tudo tão raso que você mal tem vontade de buscar tais itens. Sem dúvida a história de Sifu é seu ponto mais baixo, embora, como dito anteriormente, sabemos não ser o foco do jogo e somente por isso não é algo que vá comprometer o seu tempo com o jogo, e sim somente ser uma oportunidade perdida de encorpá-lo ainda mais.
O som das artes marciais
Na análise mencionei que é possível sentir o peso de cada golpe desferido, e parte disso se deve ao design de som de Sifu. O jogo em nenhum momento economiza no impacto sonoro que a pancadaria causa, fazendo com que as lutas sejam ainda mais empolgantes. A trilha sonora também é um espetáculo à parte. Produzido por Howie Lee, um músico chinês relativamente desconhecido, a trilha sonora embala perfeitamente o clima de ação constante de Sifu, mas sem abandonar totalmente a instrumentabilidade clássica chinesa. É possível perceber batidas eletrônicas e de percussão chinesa em momentos mais agitados, e a calmaria de instrumentos clássicos chineses como o Guzheng em momentos de reflexão ou mais tensos e misteriosos. Do começo ao fim a trilha sonora de Sifu casa perfeitamente com sua temática e é mais um acerto da Sloclap.
A beleza Chinesa
A direção de arte de SIFU é um espetáculo à parte. Por não ser um jogo AAA, não se deve esperar um poder bruto em seus gráficos, mas a Sloclap escolheu um caminho não menos atrativo aos olhos. Com um visual utilizando a técnica Cel shading, Sifu esbanja estilo e uma beleza artística impecável, que vai muito além do mero aspecto visual. As escolhas de ambientação, as decorações típicas chinesas e a mistura entre o urbano moderno e o clássico visual chinês demonstram um cuidado e um respeito enorme da Sloclap com a cultura chinesa. Ainda que não sejamos familiarizados com a mesma, certamente jogar SIFU te fará se sentir um pouco mais próximo do que crescemos vendo em filmes de artes marciais. A modelagem dos personagens não fica atrás, sendo tudo muito criativo e, novamente, cheio de estilo, além do processo de envelhecimento do personagem ser muito bem trabalhado visualmente falando.
Sifu significa “mestre” em Cantonese (um dos idiomas falados na China), e o título não poderia ser mais apropriado, já que o jogo te faz se sentir como um. Caso o jogador supere os desafios e o cansaço que a repetição pode trazer, será recompensado com o que é, pra mim, um jogo que está no caminho certo para um Beat ‘em up definitivo. Sifu é obrigatório para qualquer amante do gênero e uma das surpresas mais agradáveis dos últimos tempos no mercado de games.
Essa análise foi produzida a partir de uma cópia do jogo gentilmente cedida pela produtora do jogo.
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