Análise do Jogo Unto The End – Um indie ambicioso e minimalista
1 de março de 2021Explorando as sinuosas cavernas em busca de uma saída, sob a fraca luz da minha tocha e gravemente ferido da minha última luta contra os perigosos trolls, cheguei a uma sala onde dois inimigos acabaram me cercando e fechando as duas únicas saídas. Conhecendo a dificuldade e o quão meu personagem estava enfraquecido, eu já me preparava para mais uma morte, até perceber que os inimigos não me atacaram de imediato, fazendo sinais como se quisessem se comunicar. Então percebi que, a exemplo de uma pessoa necessitada que eu havia ajudado ofertando um item, talvez aqui eu poderia usar da mesma mecânica para escapar de uma luta desnecessária, e de fato o jogo me deu essa opção – transformando um momento que poderia ser trivial em algo singular, mostrando que eu tinha em mãos um Indie que se esforçaria para ir um pouco além do que um jogo de ação em plataforma 2d normalmente pode oferecer.
A jornada e o combate
Unto The End é um jogo de ação e plataforma, cujo principal elemento é o combate. Este desempenha papel fundamental na experiência com o jogo, e é aonde reside os seus maiores acertos e também os seus maiores defeitos.
Enquanto a maioria dos jogos nesse estilo buscam utilizar de mecânicas simples no combate, Unto The End vai na contra mão e busca trazer um pouco de complexidade, exigindo reflexos e movimentos cuidadosamente planejados ao invés do tradicional “esmagar de botões”. Você pode bloquear em mais de uma direção, aplicar golpes baixos e altos, rolar, utilizar o ombro para afastar os inimigos e até ameaçar dar um golpe para tentar enganar o inimigo. É uma experiência diferente e uma ideia extremamente interessante, pois dá uma nova dinâmica a esse tipo de jogo, deixando o aprendizado e a realização dos combates bem instigante. Você pode enfrentar mais de uma ameaça ao mesmo tempo, enfrentará inimigos de tamanhos e estilos de combate diferentes, e poderá ter que saber quando fugir e se esquivar, já que é possível inclusive perder sua arma no meio do combate, tendo que muitas vezes pensar rapidamente em como pegá-la no chão sem dar uma brecha para o inimigo infringir dano.
Se por um lado as mecânicas foram construídas de forma inteligente e deixa o combate envolvente, por outro sua dificuldade extremamente desbalanceada faz com que essa diversão dê lugar à constante frustração de quase que obrigatoriamente precisar morrer dezenas de vezes a cada sessão de combate, para só então decorar o moveset dos inimigos e ser capaz de avançar no jogo. Essa obsessão em talvez querer ser um Dark Souls 2D fez mal ao game, pois os desenvolvedores não conseguiram dosar bem a dificuldade, fazendo com que os inimigos praticamente adivinhem qual ataque você vai usar e se esquivem de forma quase sobrenatural, deixando o desafio artificial e diminuindo a satisfação em dominar o sistema de combate, afinal, mesmo o dominando a sequência de mortes é praticamente inevitável.
Em determinado momento do jogo eu passei a tentar usar o golpe com o ombro, pois ele é extremamente efetivo para afastar o inimigo ou até abrir uma oportunidade de ataque, porém, após conseguir encaixar um ou dois golpes, automaticamente o inimigo passa a esquivar de todas as outras tentativas automaticamente, não importando o timing que você use, se o inimigo está vulnerável ou não, ele sempre esquiva. Não só isso, mas as animações de ataque dificultam a previsão e o jogo te dá apenas alguns milissegundos pra reagir, tornando as ações de bloqueio difíceis enquanto a IA o faz com facilidade, e mesmo o modo assistido, que desacelera o combate, não consegue cobrir muito esses problemas. No final das contas, é sim possível curtir o combate no geral, porém é preciso paciência, pois você vai morrer diversas vezes mesmo nos mais triviais inimigos e se frustrará com a execução das mecânicas de combate.
Aliado ao combate, a exploração também desempenha um papel fundamental na experiência do jogo. Temos um cenário com muitos caminhos a se seguir, encontros opcionais, itens secretos e, aliado a tudo isso temos pequenos puzzles e armadilhas, contribuindo com o sentimento de que você está em uma jornada de volta para casa. Os movimentos não são ágeis, porém servem o seu propósito e as animações de ação são fluídas e perfeitamente funcionais. Não chega a ser um metroidvania, mas também não se agarra totalmente a uma linearidade engessada.
O jogo possui um sistema de inventário simples, pouca variedade de itens, que dada a simplicidade do jogo não chega a ser um problema. A já mencionada possibilidade de ofertar itens a inimigos adiciona muito ao jogo, ainda que essas oportunidades sejam pré-estabelecidas, pois funciona não só para evitar potenciais lutas, mas também como um sistema de trocas rústicas para ganhar itens e progredir ao longo do jogo, isso é algo que achei incrível e uma mecânica que poderia ser usada até mesmo em grandes jogos AAA. Há também uma mecânica discreta de sobrevivência, onde ao levar muitos golpes você pode sangrar constantemente até a morte, sendo necessário um item de cura par estancar o sangramento e, aliado a isso, temos também a possibilidade de aumentar a eficácia da armadura através da combinação de certos itens.
A atmosfera do jogo é um ponto fortíssimo e contribui imensamente para a imersão e o prazer na exploração, com uma quase ausência da trilha sonora de forma positiva, e sons ambientes muito bem feitos. O uso da tocha de forma realista adiciona uma pitada de tensão já que dependendo da ação que ocorrer, você pode acabar perdendo-a. A sensação de solidão e algumas boas escolhas de design, como as fogueiras que você encontra em alguns pontos e que te permite consertar sua armadura, melhorá-la, curar suas feridas ou relembrar momentos com a sua família, onde de forma inteligente o jogo integra um pequeno tutorial de combate em um treino com a sua esposa na paz do quintal de seu lar. Por fim, o pacing do jogo é perfeitamente balanceado, com momentos de quietude muito bem intercalados entre as batalhas e uma valorização das andanças e exploração dos ambientes.
A beleza escondida na simplicidade
Os gráficos de Unto The End é o que se espera de um jogo indie: Simples e eficiente.
O estilo de arte do jogo salta aos olhos, com um visual que lembra muito o clássico Another World. O minimalismo é a palavra-chave aqui, mas o jogo não perde a oportunidade de mostrar que mesmo dentro dessa proposta, é possível encontrar diversos detalhes que tornam o visual de Unto The End ainda mais atrativo, como flocos de neve na roupa do personagem, os efeitos de luz muito bem trabalhados da tocha, o sangue na roupa do personagem e por aí vai. Além do aspecto visual, Unto The End faz uso de seus elementos sonoros e artísticos para eliminar o HUD do jogo, portanto nada de barras de life, você deve ouvir a respiração do seu personagem e os ferimentos em seu corpo para saber o quanto seu personagem ainda pode aguentar.
Como já mencionado anteriormente, a trilha sonora é pouco presente e isso de forma alguma é um ponto negativo, já que quando ela aparece consegue dar o tom perfeito e carregar ainda mais a atmosfera fantástica do jogo. Os sons ambientes conseguem passar a sensação pesada de solidão que te acompanha por todo o jogo, e dá a tensão necessária nas cavernas quase claustrofóbicas do jogo. Aliás, talvez o único ponto negativo nesse aspecto do jogo seja justamente o excesso de ambientes fechados quando os momentos em que você está ao ar livre valorizam muito mais a arte do jogo.
O caminho de volta pra casa
Assim como seu estilo de arte, a história também é conduzida através de um minimalismo quase palpável. Você controla um homem que sai para uma jornada atrás de comida e caça, provavelmente para prover para sua família que permanece em casa a sua espera. Durante o início, algo dá errado e você acaba se perdendo e se insere em uma jornada para encontrar o caminho de casa.
O jogo não possui diálogos, deixando a cargo do jogador interpretar o que está sendo passado, a exemplos de jogos como Journey, por exemplo. A depender das ações do jogador durante o gameplay, o jogo possui dois finais diferentes e isso enriquece uma experiência que pode tomar diferentes formas para cada jogador, em uma história cheia de beleza escondida em sua própria simplicidade.
Vale à pena?
Unto The End é uma experiência que busca envolver o player e oferece mecânicas cheias de ambição dentro de sua própria simplicidade, com um combate extremamente inteligente e uma exploração competente. O jogo é bem sucedido na construção dessas características, entregando um jogo sólido que vale a pena ser experimentado, mesmo tendo curta duração e possuindo alguns defeitos a serem considerados.
Vale lembrar que este é um jogo feito por apenas duas pessoas, e considerando todos os elementos que o compõe e toda a dificuldade acerca da criação de um jogo, Unto The End é praticamente uma manifestação de amor aos games e a prova de que é possível ser ambicioso e encontrar beleza na simplicidade.
Obs: Essa análise foi feita através de uma cópia (versão PS4) gentilmente cedida pela 2 Ton Studios.
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