Análise (Review) de Resident Evil 2 (Remake) – Respeitando um legado

18 de novembro de 2020 Off Por Allan Lima

Quando Resident Evil surgiu em 1996 para o Playstation, o mundo conheceu um novo gênero: O Survival Horror. Não foi o criador– este título pertence a um jogo de 1989 chamado Sweet Home – mas sem dúvida nenhuma foi o jogo que colocou de vez o gênero no mapa e que serviu de inspiração para praticamente todos os jogos de terror que se seguiram. O conceito é simples: Misture terror com elementos de sobrevivência e insira tensão ao jogador através do sentimento de impotência proporcionado pelos poucos recursos disponíveis ao jogador.  

O primeiro Resident Evil já havia recebido um remake em 2002 muito elogiado pela mídia e pelos jogadores, pois soube manter o estilo clássico com seus ângulos de câmera fixa e a “jogabilidade tanque”, mas com visuais belíssimos e outras adições. Agora, mais de 20 anos depois de seu lançamento, a Capcom realiza um desejo antigo dos fãs e lança um remake de Resident Evil 2, seguindo um caminho diferente de seu antecessor ao reformular totalmente o jogo original, com câmera no ombro e outras características modernas presente nos jogos mais recentes da franquia.  

Embora o uso de recursos modernos traga uma dificuldade latente ao clima de survivor horror, a Capcom consegue equilibrar bem o seu uso com outros recursos e acaba entregando um dos melhores jogos de terror da geração, respeitando o legado do original, sem deixar de criar uma identidade própria.   

Nostalgia sob uma perspectiva moderna 

Pra quem jogou o original, assistir a primeira cutscene é um convite a um sentimento de nostalgia aliado a um inevitável espanto em ver como a indústria evoluiu nesses pouco mais de 20 anos. Os detalhes técnicos e todos os recursos que todo esse tempo proporcionaram a indústria saltam aos olhos, a começar pela modelagem dos icônicos personagens principais – Leon e Claire, que mantiveram suas principais características físicas, com algumas mudanças pontuais além, é claro, do nível de detalhe nas texturas que dão uma nova aparência sem deixar de lado a essência dos antigos modelos poligonais que costumávamos a controlar. Claro que não só os personagens principais ganharam esse tratamento, todos os coadjuvantes estão presentes e reconhecíveis, ainda que com as mesmas mudanças sutis e detalhes nas texturas e design, além disso, todos ganharam novas vozes e as linhas de diálogo naturalmente foram todas refeitas.  

O trabalho feito nos personagens se estende também para os cenários, que não só ganharam muito mais vida e realismo, mas também foram expandidos, oferecendo novas áreas e transformando a experiência de andar por locais tão conhecidos. A direção artística realmente fez um trabalho fantástico nesse aspecto e toda a construção dos cenários passa a sensação de que realmente aquele local passou por toda a confusão de um apocalipse zumbi, com cada mínimo detalhe saltando aos olhos, como cadeiras reviradas, bloqueios improvisados, manchas de sangue coagulado, corpos espalhados, papelada de escritório revirado, entre outros. A RE engine, motor gráfico da Capcom, mostra que é uma das melhores do mercado e entrega efeitos de luzes e partículas impressionantes, com um alto nível de detalhamento nos ambientes e modelos, fazendo com que Resident Evil 2 seja um dos melhores gráficos apresentados nessa geração de consoles. 

A câmera sobre os ombros e a jogabilidade mais “solta” tiram a sensação de impotência e tensão que a câmera fixa trazia, porém livre das limitações da época e aliada a recursos espetaculares de som, escuridão do ambiente e realismo gráfico, o jogo ganha uma nova forma de injetar essa tensão no jogador e não só consegue manter o clima de survival horror sem deixar a peteca cair, como também adiciona uma pitada de ação na medida certa. A jogabilidade é extremamente fluída e ganha mecânicas que apesar de já conhecidas nos jogos mais recentes da franquia, é novidade frente ao que era oferecido no original. Agora é possível utilizar armas secundárias como granadas e facas, sendo este último um recurso finito e não mais uma arma fixa como costumava ser; você pode usar elas como uma opção de ataque ou como último recurso frente a um agarrão inimigo, e isso acaba dando uma dinâmica excelente ao combate do jogo. Em momentos em que eu tava quase morrendo, inimigos me agarravam e ao quase aceitar a morte certa o prompt de comando aparecia na tela para utilizar aquela faca ou granada que no momento de desespero eu havia até esquecido que tinha, fazendo com que eu saísse aliviado por ter sobrevivido a mais uma das muitas situações de perigo que o jogo impõe ao jogador. 

Os baús se mantêm com a mesma funcionalidade, você pode estocar itens e retirá-los em outros baús espalhados pelo local, tornando o gerenciamento do inventário uma preocupação a mais para o player, e uma ótima adição ao fator de sobrevivência. É possível também a utilização de pólvoras para combinar e transformá-las em diferentes tipos de munição para o jogador, e falando em munição, mesmo na dificuldade normal a munição pode acabar relativamente rápido caso não saiba usá-la com cautela, definitivamente não é um jogo para sair matando todos os inimigos, como manda a tradição do gênero. Também é impossível não mencionar as constantes idas e vindas pelos cenários, buscando chaves, abrindo portas e resolvendo puzzles para avançar em meio ao terror, o que garante a exploração e transforma a delegacia em uma grande fonte de segredos a serem descobertos, lembrando muito os sistemas de exploração dos “metroidvanias”, porém aplicados em um grande ambiente 3d. 

Os zumbis como protagonistas 

Um dos principais personagens do jogo são, sem dúvida alguma, os Zumbis. Eles são o principal elemento que compõe a experiência de jogar Resident Evil 2, não só por serem a principal ameaça a se enfrentar, mas também por boa parte da diversão do jogo residir nas mecânicas de confronto com as criaturas. 

Para começar, vale ressaltar logo de cara a parte visual, que impressiona pelos detalhes e realismo grotesco, com marcas de mordida à vista, roupas rasgadas, pele pálida, manchas de sangue na roupa entre outros detalhes que contribuem para a sensação de realmente estar enfrentando algo bizarro e assustador. Mais importante que isso é o comportamento imprevisível e orgânico dos zumbis (por mais que isso soe contraditório), graças a um trabalho impecável ao dar vida a eles através de animações cuidadosamente elaboradas e um sistema de física muito competente. Em determinado momento eu estava subindo um lance de escadas e me deparei com um zumbi no andar de cima, resolvi voltar com a convicção de que ele iria continuar no mesmo lugar, porém, para a minha surpresa, ele se debruçou sobre o corrimão e se jogou até o andar em que eu estava, caindo com estrondo no chão e logo tratando de rastejar atrás de mim; a situação foi um misto de susto e riso diante de uma situação tão inusitada e, de certo modo, realista.  

Essa imprevisibilidade faz com que inimigos teoricamente lentos e fáceis de se esquivar, acabem por se tornar uma ameaça capaz de punir qualquer mínimo descuido do jogador. E se engana quem pensa que entrando em alguma sala estará seguro, já que os zumbis te seguem e são capazes de forçar a porta para entrar, e esse pequeno movimento do time de desenvolvedores é um grande aliado para criar a atmosfera de tensão que cerca o game, afinal essa constante sensação de não estar seguro mexe com a ansiedade do jogador.  

Outro fator a se considerar acerca dos zumbis é a sua resistência. Aqui os zumbis são extremamente resistentes, chegando a ser necessário gastar dezenas de tiros para efetivamente matá-los. Com certeza os desenvolvedores utilizaram desse artifício para forçar o jogador a repensar sua estratégia frente a eles – e funciona, mas por outro lado há um exagero nesse aspecto, fazendo com que muitas vezes seja apenas irritante o quão esponja de dano o zumbi se torna, mesmo o atingindo no que teoricamente seria seu ponto fraco – a cabeça. Felizmente a gama de estratégias a ser utilizada aumenta bastante com a possibilidade de desmembramento, e é nisso que o combate de Resident Evil 2 realmente brilha. É extremamente divertido desmembrar os zumbis para mexer com suas capacidades. Atirar na perna até que ela se parta e derrube o zumbi limitando sua capacidade, ou quem sabe tirar seus dois braços para que ele não possa te agarrar, ou até mesmo a sorte de um tiro na cabeça dar um hit kill fazendo com que a cabeça do zumbi exploda (coisa que, convenhamos, sempre foi satisfatória em qualquer Resident Evil). A atenção aos detalhes marca presença aqui, fazendo com que cada tiro tenha um efeito visível no corpo do zumbi, seja fazendo um simples furo, expondo seu crânio ou até mesmo suas vísceras – o que pode ser desconfortável, mas extremamente satisfatório. 

Mr. X

Se os zumbis são um dos personagens principais do jogo, podemos dizer que MR. X é o vilão que rouba a cena. Ele será a fonte de seus pesadelos no jogo, e um Stalker de dar inveja até mesmo a Nemesis – carrasco do terceiro jogo da série. É aterrorizante o som de seus passos pesados (experimente jogar com um headset!) e a música de tensão que toca quando ele avista você, sendo capaz de desorientar o jogador e fazer com que a ansiedade tome conta dos seus nervos. Sua reimaginação e presença constante é simplesmente fantástica e um dos principais acertos da Capcom, fazendo com que seja o elemento definitivo para mostrar que esse remake não deve nada como jogo de terror. Não entrarei em mais detalhes, pois julgo que cabe ao jogador encarar as surpresas que os encontros proporcionam, desejo apenas sorte… 

Uma história que soa familiar 

A história de Resident Evil 2 embora com alguns elementos novos nesse remake e reimaginações visuais, permanece a mesma em sua essência. Dois meses após os eventos de Resident Evil, nos vemos na cidade de Raccoon City, onde Leon parte para o seu primeiro dia como policial da cidade, e Claire chega em busca de seu irmão Chris (o mesmo do primeiro Resident Evil). Ambos se encontram em um posto de gasolina e se deparam com a cidade mergulhada no caos após o vazamento de um vírus que transforma as pessoas em mortos vivos. 

A história é clássica e cheia de mistérios, com alguns exageros típicos da franquia, mas que consegue te manter interessado do início ao fim, além disso ela se beneficia da modernização do jogo, com algumas alterações e locais que tornam o enredo mais crível. Diante disso, é uma pena que os maiores defeitos do jogo estejam justamente em torno dessa mesma história, a começar pelos diálogos que parecem não acompanhar a evolução dos demais aspectos e continuam “canastrões”, com uma atuação fraca do time de atores e escolhas duvidosas de diálogo. Além disso, é uma pena que a interação entre o Leon e Claire seja praticamente nula durante todo o jogo, e não só isso, mas o sistema de cenários – onde você teoricamente teria uma perspectiva diferente com cada personagem – sofre muito com incoerências no enredo no cenário B e diferenças extremamente sutis, afetando demais o fator replay do jogo. Além disso, a Capcom desperdiça a chance de expandir ainda mais a exploração, por exemplo, das ruas de Raccoon City que pouco ou quase nada aparecem aqui, ou até mesmo diferenciar mais o gameplay com cada personagem, e isso passa a sensação de preguiça por parte dos desenvolvedores, destoando do capricho e qualidade geral do jogo.

Respeitando um legado

Mesmo com alguns deslizes, a Capcom entrega um verdadeiro presente para os fãs da franquia, reinventando um clássico e proporcionando não só um excelente Remake, mas também um dos melhores jogos de terror da geração. Talvez o mercado de Remakes tenha vindo pra ficar na indústria e se seguirem essa mesma qualidade, certamente é uma boa adição e uma forma válida de preservar o legado de clássicos que sempre serão eternos.

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