
Silent Hill 1: A obra-prima esquecida pela Konami
16 de março de 2025Silent Hill é uma das franquias mais famosas e marcantes no gênero de survival horror, e quem viveu a época de ouro da série sabe exatamente o que isso significa. Não à toa, muitos fãs ficaram por anos na expectativa de um novo lançamento que pudesse devolver à franquia os dias de glória, após o último título morno: Silent Hill: Downpour. Recentemente, os olhos se voltaram para a Konami, devolvendo-lhe prestígio e lucros graças ao lançamento de Silent Hill 2: Remake — sem dúvidas, um dos títulos mais marcantes da franquia. Contudo, quando o assunto é a experiência pura de terror psicológico, Silent Hill 2 não chega aos pés do primeiro jogo. Isso levanta a questão: por que a produtora continua ignorando Silent Hill 1?
O Nascimento de um Legado
O primeiro Silent Hill nasceu do desejo da Konami em criar seu próprio jogo de survival horror. Para isso, uma pequena equipe, formada por alguns funcionários que se sentiam deixados de lado na empresa, foi criada. Assim, surgiu o Team Silent, a equipe responsável por dar vida à franquia. O ponto central é que cada membro do Team Silent tinha uma personalidade forte, e frequentemente as divergências quanto às ideias comprometiam o andamento do trabalho. Quando finalmente a equipe tinha uma visão clara de como seria o primeiro jogo, a Konami começou a podar as principais ideias. O que a empresa realmente queria era que o jogo se assemelhasse demais à franquia Resident Evil, mas essa abordagem não era aceitável para a equipe, que queria que Silent Hill tivesse uma identidade própria. No fim, a equipe ignorou completamente as diretrizes da Konami e criou o jogo da forma que imaginavam. O resultado não poderia ter sido mais bem-sucedido. Apesar de utilizar alguns elementos de jogabilidade já presentes em Resident Evil, Silent Hill trouxe algo completamente inovador: o terror psicológico.

“O Medo de Sangue Tende a Criar Medo Pela Carne”
O primeiro Silent Hill é um jogo profundamente marcado por seus temas. Traz questões psicológicas, sobrenaturais, religiosas e até filosóficas, abordadas com maestria, explorando traumas, conceito de céu e inferno, vida e morte.
A história tem como protagonista Harry Mason, um escritor que, ao viajar com sua filha de sete anos, Cheryl, acaba se envolvendo em um acidente. Harry acorda confuso e ferido, e, ao perceber que sua filha sumiu, começa a procurar por ela em uma cidade que lentamente revela seus horrores.
Desde o início, o clima do jogo é de pura tensão. As ruas desertas e encobertas pela névoa, enquanto o personagem segue pistas para encontrar sua filha, criam um sentimento único. Mesmo 26 anos após seu lançamento, é impressionante como a transição no beco, o primeiro momento tenso do jogo, ainda causa impacto. Ali, Harry encontra macas com lençóis ensanguentados e se depara com um corpo carbonizado pendurado por arame farpado. A mudança na trilha sonora e a escuridão que toma o ambiente são de arrepiar. Esse momento culmina no fim do primeiro pesadelo de Harry, que acorda na lanchonete e é apresentado a uma nova personagem: Cybil Bennett.
A partir daí, enfrentamos criaturas grotescas e acontecimentos inexplicáveis, em um ambiente cada vez mais perturbador, fazendo Harry questionar se aquilo tudo é real ou se está preso em um pesadelo.

Elementos Únicos
Além de sua narrativa envolvente, o jogo conta com elementos sonoros que intensificam a sensação de medo no jogador. (Recomendo jogar com fones de ouvido, pois alguns sons sutis só são percebidos dessa maneira.) A trilha sonora, que mistura rock industrial com faixas suaves e melancólicas, é um presente do brilhante compositor Akira Yamaoka, que, por sinal, não participou apenas da trilha de Silent Hill: Downpour.
Silent Hill brinca com a mente do jogador o tempo inteiro, seja por meio da mudança dos ambientes para versões sombrias, seja por enigmas intrigantes ou pelos estranhos pesadelos de Harry. Permitam-me destacar um momento particular, que ocorre no Alchemilla Hospital, em uma área chamada “Nowhere” (Lugar Nenhum). Lá, encontramos uma gaiola sangrenta e enferrujada, de onde se ouvem sons de asas de pássaros batendo, mas, estranhamente, nenhum pássaro está lá. Assustador, não?

Inspirações
Vale mencionar que Silent Hill foi inspirado por diversos filmes e obras literárias, mas, principalmente, pelo filme Jacob’s Ladder. Nele, o protagonista, Jacob, sofre com os traumas da Guerra do Vietnã e começa a ter alucinações, vendo criaturas estranhas enquanto busca respostas para os horrores que está vivenciando. O filme é um estudo psicológico, repleto de simbolismos bíblicos e sobrenaturais, que aborda o medo da morte e a luta interna do ser humano. No filme, há até uma citação de um livro de Meister Eckhart que diz: “A única coisa que queima no Inferno é a parte de você que não quer deixar a vida ir. Suas memórias, seus apegos. Eles queimam tudo isso. Mas não estão te punindo. Eles estão libertando sua alma. Então, se você tem medo de morrer e… está se segurando, você verá demônios arrancando sua vida. Mas se você está em paz, então os demônios são realmente anjos, libertando você da terra.”
Essa frase faz completo sentido quando analisamos o enredo do jogo e, principalmente, uma ligação importante quanto ao final ruim, em que vemos que, na verdade, Harry está morto no carro, fazendo com que tudo que foi vivenciado ao longo da gameplay fosse, na verdade, a luta de seu espírito, que não queria se desprender da vida, sofrendo diversas alucinações.
Algumas das referências diretas ao filme são: o mesmo pôster antidrogas de Jacob’s Ladder, que pode ser encontrado nos arquivos de textura do primeiro jogo.
A “distorção” que muitos monstros fazem com a cabeça, em diversos títulos da franquia, foi inspirado no filme; entre várias outras inspirações visuais.

Um Legado Esquecido
Embora Silent Hill 2 seja frequentemente lembrado por sua figura imponente e assustadora, o Pyramid Head, e seja um jogo incrível, com uma história perfeita e comovente sem perder os elementos de horror, Silent Hill 1 também merece ser relembrado. Seja através de um remake fiel ou até mesmo um remaster, a experiência de terror do primeiro jogo é inigualável. Não por acaso, Silent Hill 1 se tornou um divisor de águas para o gênero de survival horror.
Não me entendam mal: como fã da franquia, tenho um grande amor por Silent Hill 2. No entanto, seu enredo, apesar de ter elementos de terror, é muito mais dramático e comovente do que verdadeiramente assustador ou perturbador. O primeiro jogo, por outro lado, traz simbolismos, terrores e elementos perturbadores que fazem o segundo jogo parecer quase um passeio no parque em comparação.
Silent Hill 1 já foi ignorado uma vez, quando a HD Collection foi lançada, trazendo apenas os jogos Silent Hill 2 e Silent Hill 3 (que é uma sequência direta do primeiro). E agora, no remake de Silent Hill 2, o primeiro jogo novamente fica de fora. Além disso, no último dia 23 de fevereiro, aniversário de 26 anos da franquia, a Konami não fez nenhuma menção ao jogo que representa o ápice do terror psicológico nos games.
É triste.
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