
A História Completa do Console 3DO – A Promessa de uma Revolução que Nunca Aconteceu
13 de maio de 2025O Videogame que Queria Mudar Tudo
No início dos anos 1990, a indústria dos videogames vivia um momento de intensa competição. Consoles como o Mega Drive e o Super Nintendo dominavam os lares, impulsionados por catálogos impressionantes de jogos e preços acessíveis. Foi nesse cenário, aparentemente consolidado, que surgiu uma proposta ousada, visionária e — para muitos — revolucionária: o 3DO Interactive Multiplayer, o primeiro console doméstico de 32 bits da história.
Lançado em 4 de outubro de 1993, o 3DO chegou ao mercado prometendo ser muito mais do que um videogame. A proposta era ambiciosa: entregar um sistema completo de entretenimento digital que unificasse jogos, música, vídeos e fotografia em um único aparelho. Tudo isso rodando com uma tecnologia de ponta, inédita na época, e que estabeleceria um novo padrão para a indústria.
Idealizado por Trip Hawkins, fundador da Electronic Arts, o 3DO não foi fabricado por uma única empresa, mas sim desenvolvido por uma coalizão de gigantes da tecnologia e do entretenimento como Panasonic, LG, AT&T, Time Warner, MCA, EA e Atari Games. A ideia central era criar uma plataforma aberta e padronizada, onde diferentes fabricantes poderiam produzir suas próprias versões do console, enquanto a 3DO Company lucraria com os royalties sobre cada unidade vendida e jogo lançado.
No papel, o projeto era brilhante. A máquina era tecnologicamente superior a tudo o que existia no mercado na época, e o modelo de licenciamento oferecia condições muito mais vantajosas para as desenvolvedoras de jogos, com taxas muito menores do que as cobradas pela Nintendo e Sega. Com campanhas publicitárias massivas e um forte apelo junto à imprensa especializada, o 3DO foi vendido como “o futuro dos videogames” — um passo inevitável rumo à era digital e à convergência das mídias.
Mas apesar de todas as promessas, o 3DO tropeçou em um erro clássico: foi lançado muito à frente do seu tempo, mas com um preço igualmente futurista. Custando impressionantes US$699,00 nos Estados Unidos — mais que o dobro de seus concorrentes diretos —, o console acabou restrito a uma elite tecnológica. O que era para ser o novo padrão da indústria rapidamente ganhou fama de “videogame de rico”, afastando o grande público e, com ele, os estúdios de desenvolvimento de jogos.
Em apenas três anos, o console foi descontinuado. Mesmo com jogos de qualidade e avanços técnicos respeitáveis, o 3DO foi vencido por seus próprios excessos, sendo engolido pelo sucesso explosivo do PlayStation, do Sega Saturn e, pouco depois, do Nintendo 64.
Ainda assim, a história do 3DO merece ser contada com atenção. Ele foi uma das primeiras tentativas reais de unificar diversas mídias digitais em um único aparelho doméstico, influenciando conceitos que mais tarde seriam adotados com sucesso em consoles modernos. O 3DO não conseguiu mudar o mundo dos games — mas tentou com coragem e audácia, e isso o torna uma peça fascinante na cronologia da evolução dos videogames.
A Criação do 3DO: A Visão de Trip Hawkins
A mente por trás do ambicioso projeto 3DO foi Trip Hawkins, uma das figuras mais importantes da indústria de jogos eletrônicos. Fundador da Electronic Arts (EA), Hawkins já havia transformado o setor de software para computadores pessoais com jogos como Madden NFL e SimCity. Mas, no início dos anos 1990, ele queria ir além. Insatisfeito com as limitações impostas por plataformas fechadas como os consoles da Nintendo e da Sega, Hawkins acreditava que era hora de dar um salto — e criar uma nova geração de consoles baseados em mídia digital e arquitetura aberta.
Foi com essa visão em mente que, em 1991, ele fundou a The 3DO Company, sediada na Califórnia, com o apoio de uma aliança de peso que incluía Matsushita (Panasonic), LG (então Goldstar), Time Warner, AT&T, MCA, Atari Games e a própria EA. O objetivo da nova companhia não era fabricar um console tradicional, mas estabelecer um novo padrão de hardware para videogames, semelhante ao modelo de negócios dos videocassetes (VCRs), onde diferentes fabricantes produziam seus próprios aparelhos licenciados com base em uma única especificação.
Ao invés de competir diretamente com Nintendo e Sega no campo do hardware, Hawkins propôs um modelo inovador: a 3DO Company criaria a tecnologia, definiria os padrões e licenciaria esses padrões para que empresas como Panasonic, Goldstar e Sanyo pudessem produzir os consoles sob suas próprias marcas. Em troca, cada fabricante pagaria royalties à 3DO. Esse sistema de licenciamento também se estendia aos estúdios de jogos — com uma vantagem tentadora: o custo por licença era de apenas US$3 por jogo, muito inferior às taxas cobradas por Nintendo e Sega, que podiam chegar a US$20 por unidade vendida.
Por trás do design técnico do console estavam dois engenheiros de peso: RJ Mical e Dave Needle, os mesmos nomes que haviam trabalhado no Amiga e no Atari Lynx. A primeira especificação do 3DO surgiu de um rascunho feito em um guardanapo de restaurante em 1989 — literalmente um projeto nascido de uma conversa de bar entre mentes criativas e visionárias. Para Hawkins, unir suas ideias com a experiência desses engenheiros era a maneira perfeita de materializar sua visão: um console potente, versátil, padronizado e multimídia.
A filosofia por trás do 3DO era clara: colocar nas mãos dos consumidores não apenas um console de jogos, mas um verdadeiro centro de mídia digital doméstica. O aparelho seria capaz de rodar não só jogos, mas também CDs de música, vídeos em VCD, Photo CDs e outros formatos emergentes da época. Era um sonho de convergência digital antes mesmo que esse conceito existisse de forma popularizada.
Essa proposta, aliada a um forte investimento em marketing e ao prestígio de Trip Hawkins como empresário visionário, fez com que a imprensa especializada da época abraçasse a ideia com entusiasmo. Em 1993, a revista Time chegou a nomear o 3DO como “Produto do Ano”, elogiando suas capacidades técnicas e o potencial para mudar os rumos da indústria.
O cenário parecia promissor: um projeto inovador, apoiado por gigantes da tecnologia, com um modelo de negócios inteligente, hardware de ponta e um fundador carismático com histórico de sucesso. A expectativa era enorme. Mas como veremos nos próximos tópicos, a história do 3DO não seria escrita com vitórias — e sim com lições duras sobre estratégia de mercado, preços, timing e, principalmente, execução.
Hardware Incrível, Estratégia Questionável
Ao ser lançado em outubro de 1993, o 3DO Interactive Multiplayer era, sem dúvidas, o console tecnicamente mais avançado da época. Projetado para ser um verdadeiro “supercomputador de bolso” voltado ao entretenimento digital, ele ostentava especificações impressionantes que deixavam seus concorrentes 16-bit — como Mega Drive e Super Nintendo — com cara de brinquedo. Do ponto de vista de engenharia e desempenho bruto, o 3DO era uma joia tecnológica. Mas, por trás do brilho do hardware, escondia-se uma estratégia comercial falha, que comprometeria toda a vida útil do sistema.
Especificações Técnicas de Respeito
O 3DO vinha equipado com um processador ARM60 RISC de 32 bits rodando a 12,5 MHz, uma arquitetura que permitia maior eficiência e processamento paralelo — algo raro para os consoles do início dos anos 90. Complementando o poder de fogo estavam:
- Dois coprocessadores gráficos personalizados, capazes de lidar com efeitos avançados de rotação, escalonamento, distorção e mapeamento de texturas;
- Um DSP (processador de sinal digital) de 16 bits com ALU de 20 bits, especializado em áudio estéreo e suporte a Dolby Surround;
- 2 MB de memória DRAM e 1 MB de VRAM, mais do que suficiente para a época;
- Um leitor de CD-ROM de dupla velocidade (2x), que lia não apenas jogos, mas também Photo CDs, CD+G e, com um periférico opcional, Video CDs (VCDs);
- Capacidade multitarefa com sistema operacional de 32 bits;
- Sem bloqueio regional e sem proteção antipirataria, permitindo rodar jogos de qualquer país ou cópias não oficiais sem dificuldade.
Outro diferencial era a possibilidade de conectar até 8 controles em cadeia, apesar do console ter apenas uma porta de controle padrão. Embora funcional, esse sistema de “daisy chaining” causava certa estranheza, e a falta de múltiplas entradas diretas foi vista como uma limitação significativa. O controle padrão também decepcionava, lembrando o layout básico do controle de três botões do Mega Drive — em uma era onde jogos de luta exigiam ao menos seis botões para uma jogabilidade adequada.
Multimídia Muito Antes de Seu Tempo
O 3DO não queria ser apenas um console — queria ser uma plataforma multimídia completa, capaz de substituir o videocassete, o aparelho de som e até o computador em algumas funções. Ele foi pioneiro em oferecer experiências digitais combinadas em um só aparelho: jogos com áudio digital em alta qualidade, imagens em tela cheia, vídeos interativos e acesso a conteúdos educativos e enciclopédicos.
Essa visão estava totalmente alinhada com o conceito de “convergência digital” — algo que só se tornaria comum muitos anos depois, com consoles como PlayStation 3 e Xbox 360. Mas, infelizmente, o mercado dos anos 1990 ainda não estava preparado para essa proposta.
Onde Tudo Desandou: O Modelo de Negócios
Apesar de toda a inovação embutida no hardware, a estratégia de mercado da 3DO Company foi o calcanhar de Aquiles do projeto. Ao licenciar a produção do console para outras empresas — como Panasonic, Goldstar (LG) e Sanyo — a 3DO abria mão do controle sobre o preço final. Como cada fabricante precisava lucrar com o hardware, os custos subiram. Resultado: o 3DO foi lançado nos Estados Unidos com o preço de US$699, valor absurdamente alto para um console, mesmo em termos da época.
A justificativa da empresa era de que o 3DO oferecia uma experiência audiovisual de qualidade premium, o que, de fato, era verdade. Mas o público gamer médio buscava outra coisa: jogos acessíveis, bom custo-benefício e suporte contínuo de grandes estúdios. Enquanto o Super Nintendo e o Mega Drive eram vendidos a menos da metade do preço, com catálogos recheados e base instalada massiva, o 3DO parecia um artigo de luxo inalcançável para o consumidor comum.
Além disso, a própria 3DO Company falhou em coordenar uma estratégia unificada de marketing, produção de jogos e suporte técnico. A falta de padronização entre os modelos fabricados por empresas diferentes gerava problemas de compatibilidade em acessórios e títulos, enquanto a ausência de proteção antipirataria, embora vantajosa para os consumidores, reduzia a confiança de algumas publishers.
Uma Ideia Brilhante com Execução Desastrosa
O 3DO foi um projeto recheado de boas intenções e tecnologia de ponta, mas esbarrou na realidade cruel do mercado de games. O consumidor não comprava um console por suas especificações técnicas — ele comprava por causa dos jogos. E no momento do lançamento, o 3DO não tinha nem um catálogo atrativo, nem um preço competitivo, nem uma estratégia coesa para crescer. Tinha apenas ambição — e, ironicamente, isso foi pouco para sustentar seu próprio peso.
O Lançamento: Quando o Hype Encontrou o Preço
O ano era 1993 e o mercado de games fervilhava com expectativas sobre o futuro. Com os consoles de 16 bits dominando a cena — como o Super Nintendo e o Mega Drive —, o público estava pronto para algo novo, mais poderoso, mais moderno. E foi exatamente essa a promessa feita pela 3DO Company com o anúncio do 3DO Interactive Multiplayer: um salto geracional em tecnologia, imersão e qualidade visual. O marketing era ousado, os anúncios eram impactantes e a expectativa estava nas alturas. Mas toda essa empolgação colidiria de frente com um obstáculo fatal: o preço de lançamento.
O Marketing da Nova Geração
A campanha promocional do 3DO foi uma das mais ambiciosas da época. A empresa apostou pesado em revistas especializadas, anúncios de TV, e até em um formato então inovador: CDs de demonstração multimídia distribuídos em lojas. A estratégia surfava na chamada “onda multimídia”, um movimento que prometia integrar vídeo, som e interatividade em uma única plataforma. E o 3DO estava perfeitamente posicionado para ser o símbolo dessa revolução.
A 3DO Company e a Panasonic, primeira fabricante a lançar o console (com o modelo FZ-1), prepararam uma ofensiva midiática que o apresentava como o “videogame da nova geração baseado em mídia digital“. Revistas como a Time chegaram a eleger o 3DO como Produto do Ano em 1993, e analistas da indústria antecipavam um novo padrão sendo criado.
Tudo indicava que o lançamento seria um sucesso retumbante — mas havia um detalhe que mudaria tudo.
US$699: Um Preço que Afugentou o Público
Em 4 de outubro de 1993, o 3DO chegou oficialmente ao mercado norte-americano com um preço de lançamento de US$699,00 — o equivalente a mais de US$1.400 em valores corrigidos. Mesmo para os padrões dos anos 90, o valor era proibitivo. Para efeito de comparação, o Super Nintendo e o Mega Drive custavam menos da metade disso. E o PlayStation, que viria logo depois, seria lançado por US$299.
A justificativa da 3DO Company era que o aparelho não era apenas um console, mas sim um sistema completo de entretenimento digital, capaz de reproduzir jogos, músicas, fotos e vídeos com qualidade inédita. Mas o consumidor médio não comprava essa ideia. Para ele, um console era, antes de tudo, uma plataforma para jogos — e por mais que o 3DO prometesse um futuro multimídia, a oferta inicial de software não justificava o investimento.
A arrogância da empresa ficou evidente quando Trip Hawkins e outros executivos recusaram baixar o preço nos primeiros meses, apostando na exclusividade do hardware e na ausência de concorrentes diretos em 32 bits. Hawkins chegou a declarar que o valor real era US$599, e que os US$699 praticados por varejistas eram “mitos”. Independentemente disso, o estrago já estava feito.
Apenas Um Jogo no Lançamento
Para piorar, o 3DO chegou às lojas com apenas um título pronto para jogar: Crash ‘n Burn. Um jogo de corrida futurista com gráficos respeitáveis, mas que estava longe de justificar o investimento em um console tão caro. Vários dos títulos anunciados para o lançamento, como FIFA Soccer, Return Fire e Jurassic Park Interactive, foram adiados por problemas de desenvolvimento e testes de última hora, devido às mudanças constantes no hardware até semanas antes da estreia.
Essa escassez de jogos no início gerou uma onda de decepção entre os primeiros compradores — muitos dos quais já estavam frustrados com o alto investimento. Sem uma biblioteca inicial sólida, o 3DO rapidamente passou a ser visto como uma promessa vazia.
A Imagem de “Videogame de Rico”
Rapidamente, o 3DO ganhou a fama de “videogame de rico”, um aparelho elitista, caro e com poucos jogos. No Brasil, sua presença foi quase simbólica, já que o preço de importação o tornava ainda mais inacessível. Nas locadoras, era uma raridade. Nas prateleiras das lojas, um item exótico. O sonho de popularização se transformava em nicho.
Mesmo com o lançamento de modelos mais baratos posteriormente — como o FZ-10 (vendido a US$399) —, o dano à imagem da marca já era irreversível. E em 1994 e 1995, quando PlayStation e Sega Saturn chegaram ao mercado com hardware superior, marketing agressivo e preços muito mais competitivos, o 3DO já não tinha mais espaço.
O Veredito: O Pior Lançamento do Ano
O resultado? O 3DO recebeu da imprensa o título nada honroso de “Pior Lançamento de Console de 1993”, segundo a Electronic Gaming Monthly. Mesmo com o apoio de gigantes como Panasonic, LG e Sanyo, o console foi sufocado por sua própria ambição e por uma estratégia que ignorava o fator mais importante para o sucesso de qualquer videogame: acessibilidade.
A expectativa era de milhões de unidades vendidas. Mas, no fim, o 3DO vendeu menos de 750 mil unidades no mundo inteiro ao longo de sua vida útil. E boa parte dessas vendas ocorreu apenas depois que os preços despencaram — tarde demais para salvar o projeto.
Biblioteca de Jogos: Entre Clássicos e Catástrofes
Todo console é julgado, em última instância, por sua biblioteca de jogos. E, nesse aspecto, o 3DO enfrentou uma das maiores contradições da história dos videogames: apesar de ser uma máquina poderosa e flexível, sua linha de títulos foi marcada por uma mistura desequilibrada entre gems cultuadas e verdadeiros desastres interativos. Com um começo lento, um pico mediano e uma queda abrupta, a biblioteca do 3DO reflete com perfeição o destino errático do console.
Um Começo Desanimador
O 3DO estreou no mercado com apenas um jogo disponível: Crash ‘n Burn, um título de corrida com elementos de combate, desenvolvido pela Crystal Dynamics. Embora fosse visualmente impressionante para a época, o jogo estava longe de ser um “system seller” — e certamente não justificava um investimento de quase 700 dólares no novo hardware. O atraso de outros títulos planejados para o lançamento, como Return Fire e FIFA International Soccer, agravou ainda mais o impacto negativo da estreia.
A estratégia de lançar poucos jogos originais no início e contar com adaptações de PC e arcades também não ajudou. Muitos títulos chegavam ao 3DO como ports tardios ou mal otimizados, dando ao console a fama de ser uma “máquina de demos” multimídia, mas sem alma gamer.
Os Grandes Destaques: Quando o 3DO Brilhou
Apesar de todas as críticas, é importante reconhecer que o 3DO foi lar de alguns jogos realmente marcantes, que não só aproveitaram suas capacidades técnicas, como também ajudaram a moldar o caminho de franquias que continuam ativas até hoje. Entre os principais destaques estão:
- Gex: O mascote lagartixa cheio de atitude foi um dos poucos exclusivos realmente carismáticos da plataforma. Com gráficos vibrantes, humor ácido e jogabilidade que misturava 2D com efeitos tridimensionais, Gex acabou virando o rosto do 3DO e depois migrou para o PlayStation.
- The Need for Speed: O lendário jogo de corrida nasceu no 3DO. Desenvolvido em parceria com a Road & Track, trouxe carros reais, câmeras cinematográficas e um realismo sem precedentes para a época.
- Road Rash: A versão 3DO do clássico do Mega Drive foi considerada por muitos como a melhor de todas. Com FMVs de alta qualidade, trilha sonora licenciada e gameplay viciante, mostrou o potencial gráfico e sonoro do console.
- Super Street Fighter II Turbo e Samurai Shodown: Os ports de jogos de luta da Capcom e SNK foram incrivelmente fiéis aos arcades — com gráficos intactos e som em qualidade CD. Para muitos, eram até superiores às versões lançadas em consoles posteriores.
- Alone in the Dark e Myst: Sucessos no PC, chegaram ao 3DO com ambientações imersivas e narrativa envolvente. Eram títulos que realmente aproveitavam o formato CD e a proposta multimídia do aparelho.
Outros títulos como Killing Time, Policenauts, Total Eclipse e Star Control II também demonstravam que, com o suporte certo, o 3DO poderia ter construído uma biblioteca sólida.
Os Desastres Memoráveis: Quando Tudo Deu Errado
Infelizmente, para cada jogo de qualidade, havia dois ou três que comprometiam seriamente a credibilidade do console. Isso se deve em grande parte à política de licenciamento liberal da 3DO Company, que permitia que qualquer desenvolvedor publicasse jogos na plataforma com mínima supervisão de qualidade.
O exemplo mais infame disso foi Plumbers Don’t Wear Ties, um “jogo adulto” que, na prática, era um slideshow de fotos com dublagens esquisitas e cenas constrangedoras. O jogo rapidamente se tornou sinônimo de fracasso criativo e técnico, sendo citado até hoje em listas dos piores jogos de todos os tempos.
Outros fracassos incluem:
- Shadow: War of Succession: Um clone de Mortal Kombat com controles imprecisos, animações grotescas e jogabilidade sofrível.
- Mazer: Um twin-stick shooter com péssimo design de fases e gráficos que não faziam jus ao hardware.
- Way of the Warrior: Desenvolvido pela Naughty Dog antes de sua era dourada, era mais uma tentativa de imitar Mortal Kombat, mas com resultados visivelmente inferiores.
Além disso, a enxurrada de jogos FMV interativos — como Mad Dog McCree, Corpse Killer e Night Trap — deu ao 3DO uma imagem de console experimental demais, com jogos que mais pareciam filmes B com interatividade mínima, afastando o público tradicional dos videogames.
O Total da Biblioteca
Ao longo de sua curta existência, o 3DO acumulou menos de 250 jogos lançados oficialmente, número consideravelmente inferior ao dos consoles concorrentes. Desse total, uma pequena parcela era de qualidade realmente alta. A maior parte dos títulos ficou na zona medíocre — com gráficos datados, pouca inovação e jogabilidade limitada.
Mesmo com o esforço de estúdios como Electronic Arts, Crystal Dynamics, Digital Pictures e American Laser Games, a ausência de apoio contínuo de grandes desenvolvedoras third-party minou qualquer chance do 3DO construir uma base sólida de fãs.
Concorrência Imparável: Saturn, PlayStation e Nintendo 64
Se o 3DO nasceu com a promessa de liderar a nova geração de consoles, seu fim precoce se deve, em grande parte, à chegada de concorrentes poderosos, com estratégias bem mais alinhadas às expectativas do mercado. Quando Sega Saturn, Sony PlayStation e Nintendo 64 estrearam na metade da década de 1990, eles não apenas entregaram tecnologias de ponta, mas também contaram com catálogos de jogos robustos, parcerias sólidas com desenvolvedoras e preços acessíveis. O 3DO, já fragilizado por um lançamento conturbado, não conseguiu resistir à força desse novo trio dominante.
Sega Saturn: A Aposta na Velocidade
Lançado no Japão no final de 1994 e nos Estados Unidos em maio de 1995, o Sega Saturn foi o primeiro grande concorrente a chegar ao mercado diretamente na zona de atuação do 3DO. A Sega apostava em seu legado construído no Mega Drive (Genesis nos EUA), em franquias consagradas como Virtua Fighter, Panzer Dragoon e Sonic, e na sua infraestrutura de marketing consolidada.
Tecnicamente, o Saturn apresentava um desempenho sólido em jogos 2D e era capaz de produzir gráficos 3D com bons resultados, ainda que sua arquitetura complexa dificultasse o desenvolvimento para o console. Ainda assim, ele foi lançado com um catálogo muito mais consistente que o do 3DO, e rapidamente conquistou espaço no Japão.
No Ocidente, seu impacto foi mais tímido — principalmente após a chegada do próximo competidor.
Sony PlayStation: O Verdadeiro Game Changer
A entrada da Sony no mercado de videogames com o PlayStation, em dezembro de 1994 no Japão e setembro de 1995 nos EUA, mudou completamente o cenário da indústria. Com um design acessível para desenvolvedores, suporte massivo de third-parties e um marketing agressivo voltado ao público jovem, o PlayStation foi o primeiro console a capturar o espírito da geração dos anos 90.
O preço de lançamento de US$299, quase metade do valor original do 3DO, tornou-o imediatamente competitivo. Além disso, a Sony investiu pesado em criar franquias exclusivas e de apelo mundial, como Resident Evil, Tekken, Ridge Racer e, posteriormente, Gran Turismo e Final Fantasy VII. O catálogo de qualidade, combinado com a política aberta para desenvolvedores e forte campanha publicitária, fez do PlayStation um fenômeno global.
Enquanto o 3DO ainda tentava se justificar como “console multimídia”, o PlayStation entregava jogos que as pessoas realmente queriam jogar. A diferença ficou clara — e o público não hesitou em mudar de lado.
Nintendo 64: O Último Golpe
Se o PlayStation acelerou o fim do 3DO, o Nintendo 64 praticamente cravou o último prego em seu caixão. Lançado em 1996, o N64 adotou uma abordagem diferente, optando por cartuchos ao invés de CDs. Embora isso limitasse a capacidade de armazenamento dos jogos, oferecia tempos de carregamento quase nulos — algo que ainda incomodava em consoles baseados em CD-ROM.
Mais importante que isso foi o lançamento de jogos revolucionários em jogabilidade e design, como Super Mario 64, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, GoldenEye 007 e Mario Kart 64. A Nintendo reforçou seu compromisso com a qualidade, e mesmo com um catálogo mais enxuto, ofereceu títulos que redefiniram seus gêneros.
Além disso, o N64 vinha com quatro entradas para controles, suporte a multiplayer local e gráficos tridimensionais avançados, explorando totalmente o universo 3D — algo que o 3DO prometeu, mas não conseguiu entregar com consistência.
O 3DO na Mira de Três Titãs
Diante de três adversários bem posicionados e financeiramente sustentados, o 3DO ficou isolado. Enquanto Saturn e PlayStation cresciam com suporte de grandes estúdios e marketing agressivo, e o Nintendo 64 dominava com inovação e marcas consagradas, o 3DO:
- Continuava caro, mesmo com cortes de preço tardios;
- Tinha poucos jogos de impacto;
- Sofria com a falta de exclusividades;
- E enfrentava problemas de compatibilidade entre os modelos de diferentes fabricantes (Panasonic, Goldstar, Sanyo).
Trip Hawkins, já ciente do naufrágio, tentou manter o ânimo público ao anunciar o M2, sucessor do 3DO, inicialmente prometido como um add-on. Mas nem mesmo a promessa de um novo hardware mais potente foi capaz de resgatar o interesse. O M2 seria cancelado antes de seu lançamento oficial, e com ele, morreria de vez a esperança de o 3DO se reerguer.
O M2 e o Último Suspiro
Diante da derrocada iminente do 3DO frente à concorrência avassaladora, a 3DO Company precisava desesperadamente de uma virada. E essa virada, segundo Trip Hawkins, viria com o M2, um novo hardware que seria o sucessor espiritual e tecnológico do 3DO. Com um poder de processamento muito superior e ambições ainda maiores, o M2 prometia recolocar a empresa no centro da corrida da quinta geração de consoles. Mas, como no caso do próprio 3DO, a realidade se mostraria mais dura do que os sonhos da engenharia.
O M2: Um Projeto Incrivelmente Promissor
Inicialmente concebido como um acelerador de hardware para o 3DO, o M2 rapidamente evoluiu para se tornar um console completamente novo. A promessa era ousada: o M2 teria duas CPUs PowerPC 602, maior capacidade gráfica, suporte nativo a jogos tridimensionais complexos e uma performance de renderização superior até mesmo ao futuro Nintendo 64. Com poder semelhante às famosas placas gráficas Voodoo1 de PCs, o M2 despertou interesse não só na indústria dos games, mas também no mercado de vídeo e computação interativa.
A ideia inicial era que o M2 fosse retrocompatível com jogos do 3DO, preservando o investimento dos primeiros usuários e oferecendo uma transição suave para a nova geração. Seu potencial técnico era, de fato, notável — e muitos analistas apontavam que, se bem lançado, o M2 poderia competir de igual para igual com o PlayStation e o Saturn.
A Passagem para a Panasonic
Com a 3DO Company financeiramente enfraquecida, a produção do M2 foi transferida para a Panasonic (Matsushita), que assumiu a responsabilidade pela fabricação do novo console. Havia esperança de que, com a força de uma gigante do setor eletrônico, o M2 teria um lançamento mais sólido, com marketing eficaz e maior apoio de desenvolvedores.
No entanto, os ventos da indústria não sopravam a favor. O mercado já estava sendo dominado pelo PlayStation e pelo Nintendo 64. E a memória do 3DO — considerado um fracasso tanto pela crítica quanto pelos consumidores — ainda era fresca. Poucas desenvolvedoras estavam dispostas a apostar novamente em um console da mesma origem, mesmo que ele fosse mais poderoso.
O Cancelamento e o Fim do Sonho
Mesmo com protótipos em estágio avançado e jogos em desenvolvimento, a Panasonic tomou uma decisão drástica: cancelou oficialmente o lançamento do M2 em 1997, antes mesmo que o console chegasse às prateleiras. A justificativa era simples — o risco comercial era alto demais diante do domínio da Sony e da Nintendo, e os custos de lançar uma nova plataforma não se justificavam sem o apoio da indústria.
Trip Hawkins e sua equipe foram pegos de surpresa, e o cancelamento do M2 marcou o último suspiro da 3DO como fabricante de consoles. Sem uma nova plataforma para promover, a empresa focou seus esforços em se reinventar como uma desenvolvedora de jogos — um esforço que também teria vida curta, como veremos nos próximos tópicos.
O Que Sobrou do M2
Apesar do cancelamento, o M2 não desapareceu totalmente. Algumas unidades de protótipos foram preservadas e se tornaram itens de colecionador extremamente raros, frequentemente listados em sites como eBay por valores altíssimos.
Além disso, o hardware do M2 encontrou vida alternativa nos arcades, com a Konami lançando alguns jogos em gabinetes baseados na arquitetura M2 no final dos anos 1990. Títulos como Polystars e Total Vice usaram a tecnologia em ambientes controlados, onde os longos tempos de carregamento dos CDs — um dos pontos fracos do M2 — eram mais toleráveis.
Curiosamente, o chip e o sistema do M2 também foram utilizados em quiosques multimídia no Japão, como máquinas de venda automática de café, caixas eletrônicos bancários e terminais de consulta, demonstrando que, mesmo com sua morte precoce no setor de entretenimento, o legado técnico do M2 sobreviveu em outras formas.
Modelos e Acessórios do Console
Apesar de seu fracasso comercial, o 3DO Interactive Multiplayer se destacou por ter sido lançado em um modelo de plataforma licenciada, algo incomum no mundo dos videogames. Em vez de centralizar a produção em uma única fabricante, como faziam Nintendo e Sega, a 3DO Company licenciou seu projeto para diferentes empresas, que lançaram suas próprias versões do console com pequenas variações de design, hardware e compatibilidade. Essa abordagem contribuiu para a diversidade de modelos e acessórios, mas também criou confusão e fragmentação no mercado, dificultando a adoção em massa.
Panasonic: Os Modelos FZ-1, FZ-10 e ROBO
A Panasonic (divisão da Matsushita) foi a primeira e principal parceira da 3DO Company. Seus modelos são os mais reconhecidos e colecionáveis até hoje.
- Panasonic FZ-1 R.E.A.L. – O modelo original e mais robusto do 3DO. Lançado em outubro de 1993 por US$699,00, tinha design elegante com gaveta motorizada de CD, carcaça resistente e entradas padrão de áudio e vídeo. Este modelo incluía ainda um controle com saída para fones de ouvido com ajuste de volume, algo raro e inovador para a época.
- Panasonic FZ-10 – Lançado em 1995, o FZ-10 foi uma versão mais compacta, leve e econômica. Adotou um design top-loading (com bandeja superior para o CD), removendo alguns recursos como a saída para fones. Apesar da simplificação, manteve a mesma funcionalidade e compatibilidade com os jogos do FZ-1.
- Panasonic ROBO 3DO – Versão raríssima lançada apenas no Japão, o ROBO se diferenciava por possuir um carrossel de CDs com capacidade para até 5 discos, permitindo trocar jogos ou mídias sem precisar abrir o aparelho. Foi voltado para uso comercial e educativo, e hoje é um item cobiçado por colecionadores.
GoldStar (LG): GDO-101M e Alive II
A sul-coreana GoldStar (atualmente LG) também produziu variantes do 3DO:
- 🔹 GoldStar GDO-101M – Modelo visualmente semelhante ao FZ-1, lançado em 1994. Alguns usuários relataram problemas de compatibilidade com certos jogos e acessórios, devido a diferenças sutis no firmware e na construção do leitor de CD.
- 🔹 GoldStar Alive II – Lançado exclusivamente na Coreia do Sul, foi uma tentativa de revitalizar o console na região. O Alive II apresentava bandeja central superior e design mais moderno. Veio numa época em que a GoldStar passava por um processo de transição para a marca LG, o que o torna uma curiosidade histórica.
Sanyo TRY: Design Estilo Videocassete
A Sanyo lançou seu modelo 3DO somente no Japão: o Sanyo IMP-21J TRY. Com visual que lembrava muito um videocassete doméstico, o TRY foi uma tentativa de apelar para o público que buscava um dispositivo multimídia para a sala de estar. Sua particularidade era o mecanismo de leitura ótica embutido na bandeja deslizante, similar ao de leitores de CD-ROM de notebooks. Poucas unidades foram fabricadas, tornando-o um modelo raro.
Creative Labs: 3DO Blaster para PC
A Creative, famosa por suas placas de som Sound Blaster, lançou o 3DO Blaster, uma placa de expansão para computadores com interface ISA, que permitia rodar jogos de 3DO diretamente em um PC com Windows. O kit incluía um drive de CD-ROM e um controle padrão. A proposta era ousada e interessante para o público de computadores, mas teve baixa adoção devido à complexidade de instalação e ao alto custo.
Acessórios Oficiais e Terceirizados
O ecossistema do 3DO também contou com uma variedade de acessórios — alguns muito à frente de seu tempo, outros bastante peculiares:
Controles
- O controle padrão tinha formato semelhante ao do Mega Drive de três botões, com dois botões superiores e entrada para fones de ouvido (em modelos da Panasonic).
- O sistema de conexão era em cadeia: os controles eram ligados um ao outro, com até oito jogadores conectados ao mesmo tempo, sem multitaps.
- A Capcom lançou o Soldier Pad, um controle com seis botões frontais, ideal para jogos de luta como Street Fighter II Turbo.
- Algumas marcas terceirizadas, como Logitech, também fabricaram modelos alternativos com design mais ergonômico.
Light Gun
- A Gamegun, lançada pela American Laser Games, era a única pistola oficial para o 3DO. Esteticamente semelhante a um revólver do Velho Oeste, era usada principalmente em jogos FMV como Mad Dog McCree e Crime Patrol. Alguns modelos permitiam encadeamento para multiplayer.
Volantes e Pedais
- A Per4mer Turbo Wheel foi o volante mais conhecido do sistema, usado em títulos como The Need for Speed e Road & Track Presents: Speed.
- Sua presença reforçava o posicionamento do 3DO como plataforma de simulação, algo que se tornaria mais comum nos consoles posteriores.
Mouse e Expansão de Memória
- A Panasonic e a Logitech lançaram mouses específicos para o 3DO, usados em jogos como Myst, Lemmings e Policenauts.
- O Panasonic FZ-EM256 era um cartão de expansão de memória de 256 KB, conectado na porta traseira do console. Poucos jogos realmente o utilizavam.
Outros Periféricos
- Um curioso acessório lançado no Japão foi o 3DO Karaoke Mixer, que permitia transformar o console em uma máquina de karaokê, usando CDs de música e microfones.
Embora a variedade de modelos e acessórios do 3DO tenha demonstrado a versatilidade técnica e a visão de convergência digital da plataforma, a falta de padronização e a escassez de jogos compatíveis com certos periféricos minaram o impacto real desses recursos. No fim das contas, essa fragmentação contribuiu para a dificuldade de adoção em massa, dificultando a criação de uma comunidade sólida em torno do console.
A Falência da 3DO Company e o Legado de Trip Hawkins
O sonho da 3DO Company nasceu com ambição, tecnologia de ponta e o prestígio de um nome forte por trás do projeto: Trip Hawkins, fundador da Electronic Arts e uma das mentes mais visionárias da indústria de games. Mas, ao final da década de 1990, esse sonho se tornaria um dos maiores exemplos de como uma ideia promissora pode naufragar diante de decisões comerciais equivocadas, estratégias mal calculadas e um mercado impiedoso.
A Derrocada Final
Após o cancelamento do M2 em 1997 e o fracasso comercial do 3DO Interactive Multiplayer, a 3DO Company tentou se reinventar como uma produtora de jogos multiplataforma. Em vez de desenvolver hardware, a empresa passou a criar e publicar títulos para consoles como o PlayStation, PC e, eventualmente, o Game Boy Advance. Entre os jogos lançados nesse período estão Army Men, Heroes of Might and Magic IV e High Heat Major League Baseball.
No entanto, a qualidade de seus jogos variava bastante. Muitos títulos foram mal avaliados pela crítica, acusados de gráficos ultrapassados, bugs frequentes e falta de inovação. Embora a linha Army Men tenha conquistado alguma popularidade entre os jogadores casuais, ela não foi suficiente para sustentar financeiramente a empresa no longo prazo.
O acúmulo de prejuízos, somado à perda de confiança do mercado e à concorrência acirrada com publishers maiores, levou a 3DO Company a entrar oficialmente com pedido de falência em maio de 2003. Seus ativos, incluindo propriedades intelectuais e marcas, foram vendidos para empresas como Ubisoft, Crave Entertainment, Microsoft e Namco, marcando o fim definitivo de sua trajetória como player ativo no setor de videogames.
Trip Hawkins: Visionário Incompreendido ou Executivo Arrogante?
A figura de Trip Hawkins permanece como uma das mais controversas da história dos videogames. Por um lado, ele é frequentemente lembrado como um visionário ousado, que antecipou tendências tecnológicas como a convergência digital, a distribuição em CD-ROM, o conceito de plataformas multimídia e o licenciamento de hardware.
Hawkins acreditava que o futuro dos videogames estava na padronização e na liberdade criativa para os desenvolvedores, rompendo com os modelos fechados e restritivos de empresas como Nintendo. Seu projeto com o 3DO refletia isso: uma plataforma poderosa, aberta e flexível. No papel, era uma proposta que tinha tudo para dar certo.
Por outro lado, críticos apontam que Hawkins pecou pelo excesso de confiança, tomando decisões que colocavam a viabilidade comercial em segundo plano. A crença de que os consumidores aceitariam pagar um preço exorbitante por um sistema “premium” foi vista como desconectada da realidade. Além disso, a ausência de uma coordenação centralizada entre fabricantes, desenvolvedores e marketing foi determinante para a perda de tração do 3DO desde seu lançamento.
Ainda assim, seu legado na indústria não pode ser ignorado.
O Pós-3DO: A Digital Chocolate
Após a queda da 3DO Company, Hawkins fundou, em 2003, a Digital Chocolate, uma desenvolvedora voltada para jogos em dispositivos móveis e redes sociais — muito antes de a indústria mobile se tornar o gigante que é hoje. A empresa criou títulos populares como Zombie Lane, Army Attack, MMA Pro Fighter e Tornado Mania!, alcançando relativo sucesso no início da era dos smartphones.
Mais uma vez, Trip Hawkins mostrou estar um passo à frente em termos de percepção de mercado. Seu envolvimento com tecnologias emergentes e formatos alternativos de jogo reforça sua imagem de empreendedor visionário — mesmo que, muitas vezes, incompreendido ou mal executado.
3DO
Apesar do fracasso comercial, o 3DO deixou uma marca importante na história dos videogames. Ele foi:
- O primeiro console 32-bit com distribuição mundial, antecipando as possibilidades da mídia digital;
- Um dos pioneiros no uso de CD-ROM, som Dolby Surround e jogos em Full Motion Video (FMV);
- Um dos poucos consoles da história com ausência de bloqueio regional e antipirataria, algo incomum até os dias atuais;
- A plataforma de estreia de franquias icônicas, como The Need for Speed, e de jogos cultuados como Road Rash, Gex e Samurai Shodown.
Além disso, o modelo de negócios baseado em licenciamento aberto, apesar de mal executado, antecipa de certa forma a filosofia por trás de plataformas modernas como Android e até o conceito de middleware nos games atuais.
A 3DO Company desapareceu, mas sua ousadia e suas lições ecoam até hoje na indústria. E Trip Hawkins, com seus erros e acertos, permanece como uma figura fundamental para entender como o mercado de games evoluiu — e como a visão sem estratégia pode ser tão fatal quanto a falta de inovação.
A Lição que o 3DO deixou para o mercado de games
O 3DO Interactive Multiplayer pode não ter sido um sucesso comercial, mas seu impacto na indústria de videogames transcende as vendas e o tempo de prateleira. Mais de três décadas depois de sua estreia, o 3DO ainda é lembrado como um dos projetos mais ousados, controversos e instrutivos da história dos consoles. Ele representou o ápice de uma visão ambiciosa, mas também escancarou os perigos de desalinhar inovação tecnológica com realidade de mercado.
Um Pioneiro À Frente de Seu Tempo
Muito do que hoje é padrão na indústria foi antecipado pelo 3DO. Em um momento em que os consoles ainda eram essencialmente dispositivos para jogos em cartuchos, o 3DO apostou em:
- Mídia óptica (CD-ROM) como formato padrão;
- Sistema operacional multitarefa, semelhante a um computador;
- Suporte a som surround digital;
- Arquitetura sem bloqueio regional e sem DRM;
- Foco em multimídia e convergência digital com vídeo, áudio e imagem;
- Licenciamento de hardware para múltiplos fabricantes.
Esses conceitos, que hoje parecem naturais, eram revolucionários nos anos 90 — e o 3DO tentou implantá-los todos de uma vez, sem que o mercado estivesse pronto para recebê-los. Como um visionário fora do seu tempo, o console falhou não por falta de capacidade, mas por ter corrido demais, em um mundo que ainda engatinhava.
A Importância da Estratégia Comercial
Ao mesmo tempo, o 3DO nos ensina que tecnologia não basta. O console pode ter sido o mais poderoso de sua geração no papel, mas seu preço inacessível, a escassez de jogos no lançamento, a fragmentação entre fabricantes e a ausência de uma base de consumidores consolidada fizeram com que ele fracassasse retumbantemente.
Essa desconexão entre visão e execução é uma das grandes lições que o 3DO deixou para futuros empreendedores da indústria de tecnologia. Não adianta ser o melhor produto se não for o produto certo, na hora certa, pelo preço certo.
Sony e Nintendo aprenderam isso rapidamente. A primeira venceu por entender o momento do mercado e apostar em jogos, marketing e acessibilidade. A segunda, ao lançar o Nintendo 64, reafirmou que marcas fortes e experiências únicas ainda podiam mover multidões.
A Influência Duradoura na Indústria
Ainda assim, o 3DO ajudou a moldar o futuro. Muitos profissionais que participaram do projeto seguiram contribuindo para grandes estúdios. Trip Hawkins, mesmo com o fracasso, foi um dos primeiros a entender que o modelo de negócios baseado em software e royalties, e não apenas em hardware, poderia ser o verdadeiro motor da indústria.
O nascimento de The Need for Speed, a evolução gráfica de Road Rash, e o uso de FMVs interativos com atores reais também foram experimentações que abririam caminho para novas linguagens nos jogos eletrônicos, inclusive no desenvolvimento de jogos para PC e, futuramente, para a internet e dispositivos móveis.
O 3DO Entre o Culto e a Curiosidade
Hoje, o 3DO vive como uma relíquia cultuada por colecionadores e historiadores dos videogames. Modelos como o Panasonic FZ-1, FZ-10 e o exótico ROBO CD com carrossel são altamente valorizados. Jogos como Gex, Super Street Fighter II Turbo, Alone in the Dark, Samurai Shodown e The Need for Speed são relembrados com carinho por quem viveu aquela época.
E, ao lado de fracassos como Virtual Boy e Jaguar, o 3DO ocupa um lugar especial no museu da história gamer: não como uma piada, mas como um aviso — de que o futuro chega, mas precisa ser construído com mais do que boas intenções e fichas técnicas robustas.
Enfim, o 3DO foi um fracasso que fez história
O 3DO não foi apenas um console — foi uma declaração de intenções. Representou o desejo de quebrar padrões, de revolucionar o mercado, de antecipar o futuro da convergência digital. E, mesmo tendo fracassado em sua missão principal, seu legado é extremamente valioso para quem estuda a indústria de games e inovação tecnológica.
Mais do que qualquer outro console da sua geração, o 3DO nos mostra que errar tentando inovar é muito mais nobre do que repetir fórmulas ultrapassadas com medo de arriscar. E isso, por si só, já o coloca entre os nomes que merecem ser lembrados com respeito e curiosidade.
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